quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O Estilista Paulo Bonavides

                          Dimas Macedo



                               Tela de Ana Costalima

           Já afirmei, em passagem da minha obra de jurista, que Paulo Bonavides é um poeta do ensaio e um constitucionalista do sentimento e da paixão criadora. Quiseram os deuses que ele revestisse a linguagem da Filosofia e da Política para ensinar aos seus leitores os grandes segredos do Direito.

         Apesar de vivermos a era dos direitos e de agirmos como se o Direito fosse uma conquista da legalidade, do positivismo e do normativismo – desprovido de conteúdo e legitimidade –, sabemos que o Direito é uma relação intersubjetiva de condutas, recortada por um conteúdo axiológico, pois o espírito do Direito (e não as suas normas) é o que deveria importar ao ponto de vista do intérprete.

           O conhecimento e a experiência do fenômeno jurídico requerem o humanismo e a democracia, a dignidade e a justiça como elementos de legitimação.

            Vivemos a era da globalização e do pós-positivismo, a era da Constituição como instrumento da paz e de estabilização da ordem econômica e, bem assim, de concretização dos Direitos Fundamentais e dos princípios constitucionais enquanto substância da normatividade e mandamentos de otimização do sistema jurídico.

              Esses mandamentos de otimização constituem núcleos de orientação da nova hermenêutica, porque se expressam como vetores que imantam o sistema normativo, conferindo-lhe concreção e dinâmica, legitimidade e fundamentação jurídica e filosófica.

            Depois das constituições do Estado Liberal e do apogeu do Estado Social de Direito, chegamos, finalmente, à pós-modernidade, e vislumbramos, de último, o Estado de dimensão comunitária e cooperativa, sintonizado com a sadia qualidade de vida e com o estágio da sociedade pluralista e aberta.

              Paulo Bonavides, no Brasil, é o guardião maior da Constituição e o arauto mais expressivo do Direito Constitucional, pois a ele os segredos da Teoria do Estado e da Sociologia do Direito são de primeiro revelados. Sabe ler a boa nova em todos os horizontes do Direito e sabe discernir em torno dos assuntos sobre os quais explana.

            A Teleologia do Estado e a Ciência Política constituem a casa do ser onde costuma ancorar suas pesquisas, ricas, aliás, de achados científicos e epistemológicos, pois nunca lhe faltaram a visão do estilista e o desvelo com que sempre defendeu a Língua Portuguesa.

            Artista da palavra e escritor paradigmático, Paulo Bonavides escreve ou reescreve os seus livros numa linguagem fluente e elegante, recheada de metáforas e alegorias e de acentos fônicos que os aproximam do prazer do texto.

            No plano da vida pessoal, o professor Paulo Bonavides é visto qual um príncipe da elegância e do afeto; e, no plano do Direito do Estado, um oráculo das crises constitucionais que se avizinham; e arauto ele o é por excelência dos achados jurídicos que se desenham no discurso acadêmico.

          Paulo Bonavides sabe impregnar os seus livros jurídicos de poesia, e de poesia no melhor sentido da palavra, porque de escansão poética são feitos os seus experimentos e a linguagem de todos os seus textos.

          Um livro, no início da sua trajetória, por ele intitulado O Tempo e os Homens (Fortaleza, 1952), agora em terceira edição (Florianópolis: Boiteux, 2005), sempre me pareceu um dos marcos da sua vocação de escritor e de esteta que sabe navegar, qual um mestre, no reino das palavras.

            Digo reino das palavras, mas aí refiro-me, igualmente, ao reino do discurso, ainda porque discursivo e imantado de cultura estilística, é toda a textura dos seus ensaios e escritos filosóficos, labor que o projeta no concerto da ordem criativa.

           O ponto de partida de Paulo Bonavides, nesse livro exemplar e pioneiro, é a Sociologia da Cultura, com passeios pela crítica literária e pelos recortes de cunho biográfico, sem perder de vista o traço cultural que mais o distingue: a defesa da ética e da dignidade.

           A releitura dessa coletânea de crônicas e ensaios, no momento em que ele, Paulo Bonavides, se impõe como o maior dos nossos constitucionalistas, ajuda-nos a entender o percurso de um pensador e de um homem que devotou toda a sua vida e toda a sua obra ao serviço do bem, da Democracia e da transparência das virtudes políticas.

            Sabemos que a ética, o humanismo, a dignidade e a busca da justiça são os atributos e as lições que ele, de primeiro e em todos os momentos, ensinou aos cientistas sociais e à cidadania do Brasil, do Brasil especialmente à cidadania do Brasil desigual, que ainda se quer, em muitos dos seus planos, em estágio de subdesenvolvimento.

          O abismo da desigualdade racial, na década de 1940, já incomodava as aspirações do cientista político Paulo Bonavides. O espaço social do negro, na civilização americana, é o primeiro ponto de inquietação do jovem escritor e jornalista cearense, nas páginas fundamentais de O Tempo e os Homens.

          Digo páginas fundamentais porque nesse livro de Paulo Bonavides está a visão do observador e do analista da cena social e política. Figuras como Eça de Queirós e a crítica por ele desferida contra a pasmaceira e o retrocesso da sociedade portuguesa; Juan Bauptista Alberdi e a sua visão de constitucionalista e de jurista, dissociada das ideologias institucionais do seu tempo; e os traços líquidos e plurais da paisagem dos cantadores e jangadeiros do Nordeste, ao lado de perfis de intelectuais como os de Rui Barbosa e Humberto de Campos, aí se encontram a desafiar a curiosidade do leitor.

            O que avulta de erudição e de pujança intelectiva, nesse conjunto de escritos, impregnados de cunho ideológico, deixam antever o pensador e o jurista em que se transformou o mestre cearense. Muita coisa mudou, é certo, na profundidade do seu raciocínio, mas em termos de destemor e de bravura, transformou-se Paulo Bonavides num escritor exemplar e corajoso.

           É diversificado o conteúdo de O Tempo e os Homens, mas o que neste texto quero destacar é a expressão do estilista Paulo Bonavides e a confirmação da sua vocação de escritor, cuja estreia se deu em 1948, com Universidades da América, prefaciado por Gilberto Freyre e que lhe valeu, na época, o prêmio Carlos de Laet, da Academia Brasileira de Letras.

            Os organizadores da terceira edição, professores Filomeno Moraes e Martônio Mont’Alverne Barreto Lima, discípulos de Paulo Bonavides, assim como o autor destas linhas, afirmam, no prefácio do volume, o seguinte:

              “A par da carreira que desenvolveu e que o transformou em scholar respeitado, Paulo Bonavides dedicou-se ao jornalismo profissional na juventude e, desde então, tem escrito para jornais. Os textos que se trazem novamente a lume, embora tendo vindo a lume há mais de cinquenta anos, ferem temas, em grande parte, presentes no debate político-constitucional dos nossos dias, ou constituem perfis de personalidades internacionais, nacionais e locais”.

            E acrescentam os referidos professores: “As análises de Paulo Bonavides fogem ao discurso fácil, da visão bipolar dos nossos problemas e das suas soluções possíveis, enfrentando os desafios de compreender o Brasil em toda sua diversidade. Esse aspecto é o que faz do Professor Paulo Bonavides um intelectual singular e fortalecedor da ideia de que, nos trópicos, a originalidade acadêmica não é somente possível como representa algo dadivoso”.

              Cultor sutil e refinado do rigor da língua, da sua estilística mais aprimorada e da sua semântica desafiadora, Paulo Bonavides é um dos juristas de maior relevo na América Latina. Acho, inclusive, que esse cientista do Estado é o mais alto entre os pensadores do Brasil na atualidade, e o mais erudito entre os seus intelectuais.

            Penso que o Brasil, um dia, reconhecê-lo-á qual o seu jurista mais culto e o seu mais aparelhado defensor da Liberdade, porque arauto da Constituição, filósofo da Política e germanista de primeira linha, pleno de erudição e de saberes que nunca se esgotam. 



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