quarta-feira, 24 de julho de 2013

Dideus Sales e a Poesia Popular


                    Dimas Macedo

 
                                                                                     Dideus Sales

  
                Existe uma tradição (e uma tendência) na poesia de todos os tempos que resiste à tentação das vanguardas e da modernidade: a poesia de inspiração e ritmo popular. Não se enquadra nos rótulos de nenhuma gramática, não cabe em manuais acadêmicos e não se mede pelos parâmetros do mercado onde se vendem mercadorias e serviços.

               É espontânea como as energias do amor, a plenitude e o brilho das estrelas ou como as águas que descem fagueiras das escarpas em busca dos regaços que as levam de volta para Deus.

               Trata-se de uma poesia heroica e multifacetada, que paga tributo unicamente à vida e às grandes esperanças do homem. É revisada e atualizada sempre que entra em contato com o leitor, pois é para ele e não para as ilusões do mundo que ela se refaz e sempre se renova.

                Foi assim com a poesia épica de Homero, com os jogos florais do medievo, com os movimentos trovadorescos de todas as idades e com a poesia popular ibérica que nos deu as linhas de pesquisa e os formatos de bolso e de linguagem da literatura de cordel.

                Está mais próxima do romance e do enredo de gosto popular do que qualquer outra forma de representação veiculada pela palavra ritmada. Está mais próxima do leitor e das suas aventuras do que as projeções ou a dança das imagens que remarcam a existência da sociedade moderna.

                O sertão é o seu locus privilegiado, pois é aí que ela se elabora e se reproduz pela voz dos aedos populares. Leandro Gomes de Barros, no campo do folheto de cordel; Aderaldo Ferreira de Araújo, no setor dos cantadores de viola; Lobo Manso, na seara das profecias e da poesia de combate; e Patativa do Assaré, na linha de todos os ritos polifônicos que unificaram a voz dos deserdados e despossuídos em busca de igualdade e de justiça – são exemplos de poetas do Nordeste que mudaram o curso da literatura popular no Brasil. 

               A afirmação do extrato máximo da cultura, para a minha visão, não está nas Universidades, tampouco nas Academias, esses nichos de petulância e de quase nenhuma produção, mas naqueles que fazem a cultura prosperar, em todos os quadrantes do mundo e, especialmente, no sertão. 

               Os grandes produtores de cultura do Ceará não estão somente em Fortaleza, como pensavam, até bem pouco tempo, os pesquisadores eruditos, mas em toda a extensão da terra de Alencar. Juvenal Galeno, Patativa do Assaré, Oswald Barroso e Gilmar de Carvalho conheceram ou conhecem o Ceará e as suas tradições muito mais do que os poetas que mourejam no Ideal; ou muito mais do que os eruditos que estudam a extensão da sua ignorância nos corredores do Benfica. 

            Dideus Sales, andarilho e pastor de sonhos, que costura a ligação vilas e cidades, no interior do Ceará, é um legitimo representante da cultura cearense e da poesia popular do Nordeste. E mais do que representante, Dideus é o maior e o mais vivo dos poetas cearenses a fazer, no Ceará, a ponte da cultura entre o sertão e o litoral.

              Jornalista, poeta e guardador de tradições sem conta da alma sertaneja, Dideus não para de crescer e produzir. Editor da revista Gente de Ação, sediada em Aracati e que se espraia por todo o Ceará, Dideus atravessa o sertão da sua terra sempre a carregar nos bolsos (e na alma) a verve do povo cearense e as suas mais belas tradições.

             Na condição de poeta, já nos deu meia dúzia de livros e opúsculos que o colocam em posição de relevo. Mas Dideus não para de escrever e publicar. Prova dessa sua paixão de ordem cultural, é o seu livro: Veredas do Sol (Fortaleza, Expressão Gráfica, 2006), que dispensa prefácios ou apresentações. É sóbrio, sereno, espontâneo, equilibrado e arrojado como todos os grandes e pequenos projetos literários do autor.

              Ter sido o autor do prefácio desse livro constitui um privilégio para mim, porque nesse texto me vejo retratado também. E para além da minha condição de poeta, orgulho-me de ser amigo de Dideus, de ser hóspede do seu coração e do seu afeto e de ser leitor de suas intenções e dos seus grandes achados no plano da cultura.

              Não vou entrar no conteúdo do livro. Deixo para o leitor o prazer de desfrutar, de primeiro, as imagens e os ritos do sertão que esse volume documenta: lições de vida e de beleza, lições de vida e esperança, lições de vida e de amor desse trovador e poeta do sertão, que o Ceará e o seu povo legaram à poesia telúrica do Brasil.

Um comentário:

  1. Cada dia admiro por sua feitura de crítica literária.
    Abraços afetuoso

    Rosa Firmo

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