Dimas Macedo
Dideus Sales
Existe uma tradição (e uma
tendência) na poesia de todos os tempos que resiste à tentação das vanguardas e
da modernidade: a poesia de inspiração e ritmo popular. Não se enquadra nos
rótulos de nenhuma gramática, não cabe em manuais acadêmicos e não se mede
pelos parâmetros do mercado onde se vendem mercadorias e serviços.
É espontânea como as energias do
amor, a plenitude e o brilho das estrelas ou como as águas que descem fagueiras
das escarpas em busca dos regaços que as levam de volta para Deus.
Trata-se de uma poesia heroica e
multifacetada, que paga tributo unicamente à vida e às grandes esperanças do
homem. É revisada e atualizada sempre que entra em contato com o leitor, pois é
para ele e não para as ilusões do mundo que ela se refaz e sempre se renova.
Foi assim com a poesia épica de
Homero, com os jogos florais do medievo, com os movimentos trovadorescos de
todas as idades e com a poesia popular ibérica que nos deu as linhas de
pesquisa e os formatos de bolso e de linguagem da literatura de cordel.
Está mais próxima do romance e
do enredo de gosto popular do que qualquer outra forma de representação
veiculada pela palavra ritmada. Está mais próxima do leitor e das suas
aventuras do que as projeções ou a dança das imagens que remarcam a existência
da sociedade moderna.
O sertão é o seu locus
privilegiado, pois é aí que ela se elabora e se reproduz pela voz dos aedos
populares. Leandro Gomes de Barros, no campo do folheto de cordel; Aderaldo
Ferreira de Araújo, no setor dos cantadores de viola; Lobo Manso, na seara das
profecias e da poesia de combate; e Patativa do Assaré, na linha de todos os
ritos polifônicos que unificaram a voz dos deserdados e despossuídos em busca
de igualdade e de justiça – são exemplos de poetas do Nordeste que mudaram o
curso da literatura popular no Brasil.
A afirmação do extrato máximo da
cultura, para a minha visão, não está nas Universidades, tampouco nas
Academias, esses nichos de petulância e de quase nenhuma produção, mas naqueles
que fazem a cultura prosperar, em todos os quadrantes do mundo e,
especialmente, no sertão.
Os grandes produtores de cultura
do Ceará não estão somente em Fortaleza, como pensavam, até bem pouco tempo, os
pesquisadores eruditos, mas em toda a extensão da terra de Alencar. Juvenal
Galeno, Patativa do Assaré, Oswald Barroso e Gilmar de Carvalho conheceram ou
conhecem o Ceará e as suas tradições muito mais do que os poetas que mourejam
no Ideal; ou muito mais do que os eruditos que estudam a extensão da sua
ignorância nos corredores do Benfica.
Dideus Sales, andarilho e pastor de
sonhos, que costura a ligação vilas e cidades, no interior do Ceará, é um
legitimo representante da cultura cearense e da poesia popular do Nordeste. E
mais do que representante, Dideus é o maior e o mais vivo dos poetas cearenses
a fazer, no Ceará, a ponte da cultura entre o sertão e o litoral.
Jornalista, poeta e guardador de
tradições sem conta da alma sertaneja, Dideus não para de crescer e produzir.
Editor da revista Gente de Ação, sediada em Aracati e que se espraia por
todo o Ceará, Dideus atravessa o sertão da sua terra sempre a carregar nos
bolsos (e na alma) a verve do povo cearense e as suas mais belas tradições.
Na condição de poeta, já nos deu
meia dúzia de livros e opúsculos que o colocam em posição de relevo. Mas Dideus
não para de escrever e publicar. Prova dessa sua paixão de ordem cultural, é o
seu livro: Veredas do Sol (Fortaleza, Expressão Gráfica, 2006), que
dispensa prefácios ou apresentações. É sóbrio, sereno, espontâneo, equilibrado
e arrojado como todos os grandes e pequenos projetos literários do autor.
Ter sido o autor do prefácio
desse livro constitui um privilégio para mim, porque nesse texto me vejo
retratado também. E para além da minha condição de poeta, orgulho-me de ser
amigo de Dideus, de ser hóspede do seu coração e do seu afeto e de ser leitor
de suas intenções e dos seus grandes achados no plano da cultura.
Não vou entrar no conteúdo do
livro. Deixo para o leitor o prazer de desfrutar, de primeiro, as imagens e os
ritos do sertão que esse volume documenta: lições de vida e de beleza, lições
de vida e esperança, lições de vida e de amor desse trovador e poeta do sertão,
que o Ceará e o seu povo legaram à poesia telúrica do Brasil.
Cada dia admiro por sua feitura de crítica literária.
ResponderExcluirAbraços afetuoso
Rosa Firmo