Dias da Silva
Vale das Nuvens (Guaramiranga - Ceará)
Foto de Lúcia Cidrão
É de Bayron esta compreensão: “para um homem tornar-se
poeta, é preciso que esteja apaixonado ou desgraçado.” Ele se dizia ser as duas
coisas juntas. Dimas Macedo é um
apaixonado (desgraçado? Com certeza, não no sentido que, em geral, se empresta
ao termo) pela Poesia. Que sabe falar a linguagem artística. Que tem a fala
poética, distinta da habitual por expressar-se em imagens especiais. É que faz
da poesia uma espécie de filosofia, de atitude e de constante maior em sua
vida.
Deparo Paulo Leminsk com esta idéia:
“Cada vez que a linguagem se volta sobre si mesma para produzir prazer – não
apenas conteúdo e significados –, neste momento temos poesia.” Assim, tem-se
poesia nas páginas de O Rumor e a Concha (Fortaleza,
Edições Poetaria, 2009), de Dimas Macedo. Poesia transcendência, com o
imaterial vencendo o material. Poesia transbordamento espontâneo de sentimentos
poderosos.
E S. Y. Agmon vem aqui para dizer
que, “Se não vale a pena ler um livro duas vezes, não é preciso nem lê-lo uma
única.” Ora, amigo leitor, digo-lhe que já reli – e reler é fazer redescobertas
– O Rumor e a Concha e valeu a pena
pelo encantamento de sua incessante novidade.
É verdade: nem há procurar e o
leitor já encontra, às claras, palpável, na maioria dos versos, premente
novidade de páginas rigorosamente marcadas pelo domínio da síntese e da
economia lingüística, pelas conquistas poéticas. Neste livro, o Poeta chega bem
mais alto: até a conquistas filosóficas e de densidade humana à flor da pele,
em versos curtos e rápidos, diga-se, versos faísca, versos relâmpago. É uma
poesia dosada de sensualidade, cheia de corpo (o signo “corpo” vem às páginas
por 28 vezes) e de pele. É o império da voz do corpo e da voz do sensual que é
de todo mundo, da voz da alma, de voz de gente.
Quem disse isto – adianto-lhe o
nome: Ernest Hemingway – fê-lo acertadamente: “O escritor que para de observar
está acabado.” Em relação ao poeta, cabe dizer-se: o poeta que para de
emocionar-se e emocionar está no fim. O verso de Dimas Macedo deixa emoção na
gente e a gente no estado estético.
Além disso, tem-se o poeta do vir-a-ser, isto
é, sempre no caminho do aperfeiçoar-se e melhorar. Dimas Macedo não está
acabado. Nunca: feito escafandrista, está mergulhado no existencial, em
observação contínua dos sentimentos e dores mais profundos do ser humano.
Confirma-o O Rumor e a Concha: é uma
poesia para melhor. Para mais poesia. Para máquina mais perfeita de produzir
emoção.
É, tudo isso é O Rumor e a Concha. Até no
título há mais poesia. Mais música. E mais mistério. É verdade: o rumor da
concha lembra mistério e grandeza. O Autor tem esta compreensão: “(...) pois
ser poeta/ é ouvir um trovão/ a cada milésimo de segundo.” É o tempo para sua
pulsação materializar-se no verso. Poucos versos, em O
Rumor e a Concha,
se concebem em 10 sílabas poéticas. A maioria se distribui entre duas e sete.
Assim, tem-se uma poesia síntese, pelas tantas e bem postas elipses verbais e
mentais. Emoção, sentimentos, sonhos e música (e significados) concentram-se em
poucos signos linguísticos. São versos rápidos com densa carga emocional e
significativo-indireta.
Os tercetos (32) – estrofes de três
versos – lembram haicais, o que fazem também os quartetos, bastando, para
tanto, a eliminação de um dos versos. O haicai tem, por excelência, a forma
breve, e as formas breves atraem o olho do leitor que vai aos versos como a
algo que não vai aborrecê-lo.
Roland Barthes escreveu: “O terceto do haicai
exerce sobre nós uma fascinação – não pela métrica mas por seu tamanho, sua
tenuidade, isto é, metonimicamente pela aeração com que ele gratifica o espaço
do discurso.”
A poesia de Dimas Macedo deixa no
leitor essa fascinação pela síntese e rapidez do verso e o leva à reeleitura
pela condensação da emoção. Cada verso é um todo de palavras que se renovam
parecendo nunca ouvidas. O Poeta reconhece que “dizer de antemão é destruir;
nomear cedo demais é atrair a má sorte”. Daí por que sua poesia é mais para ser
sentida e ouvida. Dimas Macedo faz-se mestre na arte de reduzir à essência o
que leva o leitor ao prazer de estar emocionado.
Digo Dimas Macedo o poeta da
infância, da infância feliz que é de todo mundo. Mas não há infância em O
Rumor e a Concha,
senão estados e sentimentos outros, também de todo mundo: o sorriso é de todo
mundo. O corpo (sensual) é de todo mundo. O amor viceja em todo mundo. Beijar é
de todo mundo.
Entretanto, o Poeta não pode fugir à
própria dimensão de preocupado com o outro. Com a dor do outro. Com a dor
existencial. Dir-se-ia que não está em paz enquanto houver dor ao lado: “(...)
e sinto as dores do mundo/ como se fosse adivinho.” É verdade, Dimas Macedo
tempera a vida com sentimentos de preocupação e de solidariedade ao ser humano.
O
Rumor e a Concha é um livro só de poesia: é sem prefácio e nada nas dobras,
mas cheio de tudo. Ouça-lhe os rumores: eles levam você ao prazer estético e à
emoção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário