Mosteiro dos Jesuítas em Baturité (CE)
Foto de Lúcia Cidrão
Sou um homem fascinado por Deus e vocacionado para Deus. A infância espiritual de que nos fala Santa Teresinha, em História de Uma Alma, foi o primeiro dos meus muitos estigmas divinos. E depois, com o tempo, me fui deixando seduzir pelo Cristo vivo das epístolas de São Paulo, o maior e o mais belo de todos os servos do altíssimo.
O sentido de justiça que ilumina o
meu discernimento; os avisos que me são revelados na dúvida; a transformação
das minhas energias perdidas, quando estou diante da morte e do abismo; a
recepção da minha compaixão e da minha solidariedade latentes, por parte de
grupos e pessoas - são, entre outros atributos, traços com que Deus me dá o
sinal da sua graça e da sua presença em minha vida.
Na sociedade moderna, o conhecimento
sobre as coisas do mundo e a informação sobre suas misérias aumentam ainda mais
a ânsia dos que sofrem. E assim sendo, faz-se preciso que o espírito de Deus
transborde, definitivamente, do interior das pessoas que realmente o amam e que
vieram ao mundo para glorificar o seu nome.
O reino da violência e a sua
difusão entre as massas é tão somente e momentaneamente uma manobra ilusória
das coisas abjetas sobre o sentido plural e dinâmico da vida interior das pessoas,
que não cessa e não vai jamais se extinguir. O modelo econômico e o sistema
político de hoje não serão, necessariamente, formas de exercício do poder
político no futuro.
Temos que atentar para o fato de
que, quem conduz o mundo e a história, não é uma armação política momentânea,
porém a força vital dos homens de boa vontade e de ação que comandam os
bastidores e a parte maior da arena social, que é apartada e excluída da
sociedade da estupidez e do ócio, e que forma, por isto mesmo, o cenário por
onde as construções humanas e as grandes esperanças trafegam.
Não
aceitaria jamais chegar a Deus ou partilhar da sua bondade e da sua compaixão
eternas trilhando unicamente a lógica e os raciocínios simplistas dos que se
deixam boiar nas ilusões, em busca da razão e dos falsos caminhos da certeza.
Deus é uma revelação interior e uma
vocação singela que se instalam nos recessos da alma. Total e triunfante,
onisciente, plural e a cada dia mais novo e redivivo, Deus se encontra pulsante
no interior de todas as pessoas, independentemente de sua posição social e de
seu credo religioso ou político.
Deus e o seu reino estão dentro de
nós como uma rocha. Não adianta tão-somente procurá-lo dentro de igrejas, em
ladainhas mentais inconsequentes e em rituais que nunca livraram o homem do
abismo. O Deus que aceito e o Deus que proclamo é o que habita em mim de forma
compulsiva. É o que fica comigo diante do espelho. É o que se deita comigo na
varanda e pastoreia as estrelas do céu com olhos totalmente cegos de belezas.
As estrelas são pedras de Deus no
firmamento. São partículas de luz para guiar a crença. E os céus e os seus
limites infindáveis são os campos de pastoreio do altíssimo e de suas
plantações de uvas e de trigo. O vinho que Deus faz nessa oficina mágica é para
enternecer o homem e desvia-lo do caminho torpe do pecado. E o pão é para
saciá-lo da fome que o conduz de volta para a morte.
Creio que fui feito por Deus para vencer
a solidão da morte, para voar na direção do silêncio e para pairar por sobre os
vales maduros da espera. Não fui feito para a morte da vida que se esvai no
balanceio do corpo, que se estraçalha na decomposição dos tecidos e dos ossos.
Pertenço às estruturas da vida que
se edificam a partir de fagulhas de luz e de soprinhos menores de borrascas,
que se acumulam nas vertigens do corpo e que formam as imensas dunas do
espírito. Os meus alojamentos e as minhas estalagens, e as minhas ferramentas
de místico e de poeta eu aí as deposito para com elas escalar as montanhas da
alma e me lançar diante de Deus e sorver o brilho maduro dos seus olhos.
Registro, por fim, que em matéria de coisas do eterno, sou
seduzido pelo Cristo Cósmico dos escritos de Theilhard
Chardin, mas que sou fascinado, também, pela via mundana de preparação dos
grandes projetos do espírito, porque me diz de perto o processo de purificação
das essências humanas pelo fogo. A via, portanto, através da qual, Santo
Agostinho de Hipona edificou a fé no meio da razão.
Desse grande arauto de Deus e da
Igreja, tocaram-me sempre, de forma indelével, as suas Confissões e a claridade com que abriu a alma para o mundo, revelando-nos
a santidade de que o mundo está contaminado. A sua mística cultural e a sua
razão hermenêutica sempre foram para mim quase tudo em matéria de fé, mas não o
suficiente para me tirar da rota dos castelos da alma, que são os mais belos recessos
do espírito e a morada de Deus, sem nenhuma dúvida.
Teresa de Ávila é a maior de todas as
minhas referências, no plano do espírito e no plano da ação humana com que
buscou salvar a obra de Deus em construção. Com o seu Castelo Interior ou Moradas, a Igreja do Cristo ressurreto tomou um
vulto totalmente novo e as cavernas da mente passaram a abrigar as luzes do espírito.
E é por isto que eu amo a sua postura de mestra e de doutora, a sua aflição
pessoal e particularíssima, e assim também o denodo com que venceu os dilemas
da imaginação e os caminhos errados da beatitude.
Com San Juan de la Cruz, o maior de todos os poetas divinos, aprendi a encontrar as levezas mais puras da vida interior e a escalar os andaimes da graça em busca do amor de Deus e do perdão. Com ele, o sentido da morte se tornou mais leve em minha vida, e os vales da alma se fizeram brancos como a neve.
A resignação e o amor que vi frutificados em seus textos, em prosa e em verso, levaram-me depois à humildade e a um imenso desapego das coisas; e os ensaios de Santa Catarina de Siena e de São Vicente Ferrer mostraram-me que a noite escura da alma é o início da sua redenção.
Sou,
portanto, um místico na mais conhecida acepção do termo. Um místico e um monge
que se deixou queimar pelas paixões mundanas e que agora renuncia às ilusões do
ócio em favor de um mundo novo que se abre, e que se quer unir pela beleza com
a beleza da vida transcendente.
Os clássicos espirituais da
cristandade e a luz das escrituras sagradas como um todo, o amor e a graça de
Deus em minha vida, os mistérios infindáveis da dúvida e os rituais sagrados da
renúncia são os vórtices com que me armo guerreiro para vencer as fantasias da
mente.
Não
tenho dúvidas de que sou um cristão na carne o no espírito. E se vim ao mundo,
foi para desfrutar a plenitude do mundo, apartado totalmente o espírito das
ilusões do ego e da maldade.
Não
penso (como nunca pensei) que a renúncia é uma prova de fogo. Acho, pelo
contrário, que a renúncia é o início da busca e que a busca de Deus é o
sentido. E o Deus que busco é o Deus total das coisas mais singelas, o Deus dos
excluídos e necessitados, o Deus dos oprimidos e dos que morrem de fome e de
sede por falta de Justiça.
Igreja de Jesus, Maria e José, em Marrecas
Tauá (CE). Foto de Cleonice Cidrão
Igreja de São Vicente Ferrer em
Lavras da Mangabeira (CE)
Foto de Lúcia Cidrão
Tu és demais!
ResponderExcluirBelíssimo texto, professor! Buscar a Deus é também buscar o que há de mais belo e singelo dentro da gente. Perceber que Ele habita em nós, sentir o Seu amor e a total cumplicidade que há entre o Criador e a criação, não há experiência igual... Lamentável são as maldades feitas em Seu nome.
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