sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A Casa de José Cidrão

               Dimas Macedo

           
                                                                         Dona Adi e Seu Zé Cidrão

               A Casa de José Cidrão: eis um conto que me persegue há bastante tempo. Desde quando passei a conviver com Lúcia e a minha vida começou a girar em nova rotação. Depois vieram as luzes e os prazeres, o sol nascendo diferente em cada manhã e o tempo das sementes se transformando em tempos de colheita.

              Os sinos resistiram na imaginação, foram alimentados pela cozinha de Dona Adi Cidrão, e pelo partido de gansos a desfilar na lagoa de Marrecas, eternizando as lembranças que nos levam serenos pela vida.

              As torres da Igrejinha de Jesus, Maria e José, as águas do Puiu onde passei a lavar a minha alma, o mugido das reses no cercado e as cadeiras na calçada do seu Zé a contemplar as nuvens mais belas do planeta.

             José Castelo Cidrão (Dedé) e Maria José Carvalho Cidrão (Adi) fundaram a República de Marrecas, e há um século aí começaram a reinar. Os filhos do casal cresceram respirando o mormaço da terra, contemplando as flores da buganvília e do mata-pasto e ouvindo o coaxar dos sapos.

              Seu Zé trocou a sua condição de vaqueiro pela profissão de agrimensor e de perito, pendurando o passado nos alforjes depois que o legendário Wicca o levou para demarcar as suas terras, tornando-se seu Zé, com o tempo, o maior viajante do sertão.

             E depois vieram os ventos que o transformaram em chefe de polícia, e líder do partido do governo quando o distrito de Marrecas conquistou a sua independência, e ali foi erguido um monumento à tradição da família Carcará.

             E de forma que a Casa de seu Zé se tornou a mais acolhedora de todas as casas do Nordeste. É arejada e rodeada de alpendres onde se cultiva a boa convivência. É cravejada de armadores que dançam todas as cirandas e solfejos do sertão.

            Na casa do seu Zé Cidrão, as Ladainhas e as Novenas de Natal e os Ofícios da Sagrada Família são tecidos em louvor de Dona Adi Cidrão e se bastam ao coração de todos os ouvintes.

           Uma santa, Dona Adi Cidrão, a filha de seu Né Parmênio, porque santificado o seu silêncio, porque glorificado o seu nome por  todos os membros da família. Em Dona Adi está a raiz do seu Zé, e nos filhos do casal estão os ramos de uma árvore que resiste ao furor das intempéries.

            Seu Zé Cidrão das Marrecas, o filho de Laura e de Francisco Cidrão, o imperador das terras do sem fim, o agrimensor e o perito, o topógrafo e o cidadão que representa melhor os Carcarás.

          Dito Por Dito, Légua Por Légua, No Sertão dos Inhamuns (Fortaleza: Arte Visual, 2005): eis a engenharia maior da Casa do seu Zé, o fio condutor da sua narrativa e a música que se ouve da forma mais sentida em todo o Ceará.

2 comentários:

  1. Amigo Dimas, como o sertão, a casa alpendrada, os animais no terreiro, as redes armadas e a polifonia dos ares da terra árida mexeram com o meu imaginário e com minha alma. Você bem sabe que a minha casa na Volta e a relação do meu pai com a terra era bem assim. Fiz uma viagem saudosa a minha infância e a nossa terra. Pena que estão destruindo tudo. Mas, a nossa memória continua viva e esses hipócritas não irão destruí-la. Parabéns pelo texto e amo muito você meu amigo.
    Cristina Couto.

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