A vida nunca se faz plena como se
um passe de mágica estivesse por trás das aparências. A eternidade não depende
do tempo, mas do desejo com que buscamos possuir a plenitude das coisas.
Existir não é o mesmo que viver, assim como escrever é possuir o indizível da
língua, e traduzir também o seu mistério, em face da sua transcendência.
De Olhos Entreabertos, os escritores costumam conversar com as estrelas, representar o brilho
dos cristais e acolher em seu texto a solidão dos que vegetam enquanto o cosmos
agoniza.
O ato da criação literária é o mais atomizado de todos os processos de
representação da arte; é o mais denso e o mais sagrado de todos os prazeres do
corpo, e é a forma mais sólida de representação do mundo perante os apelos da
história.
A pós-modernidade compreende o oblívio de Deus substituído pela ilusão
do Capital, como se a mercadoria fosse capaz de intuir o sentido supremo do
sagrado; como se a estética do gosto fosse superior à estética da arte, como se
o sagrado fosse capaz de sucumbir diante da sedução do efêmero.
As marcas e as grifes são apenas miçangas ou enfeites de uma civilização
em ruína, esmagada pelo consumo e pela tentação do capital e das suas formas
miseráveis de alienação e acumulação.
Assim sendo, urge que a arte, a arte mais sutil e prazerosa, a arte mais
pura e a mais sofisticada assumam o seu lugar no discurso do caos, para que a
linguagem poética e a sua liturgia possam reconquistar o espaço soberano do
texto.
A representação da poesia nunca perdeu o seu lugar na história. Na era
em que o homem mais decididamente mergulhou na guerra, em nome da ilusão do
mito, Ulisses ressurgiu como o herói de todas as idades; e quando o céu e o
inferno se fundiram na idade escura da magia, Dante segurou a mão de Virgílio e
nos devolveram, por fim, a claridade, o sentido poético da alegoria e a
escansão do verso refletido.
Os tempos de enfrentamento da linguagem agora são outros, mas a poesia
está sutilmente em toda parte. Poetas existem no mundo de todas as maneiras, e
poetas ruins é o que não falta em todos os quadrantes do globo.
O Ceará é uma terra povoada de muitos escritores e de Academias que não
valem o preço com que foram feitos os seus estatutos, mas é também uma terra de
veras escritoras, da estirpe de Ana Miranda, Marly Vasconcelos, Natércia
Campos, Inez Figueredo, Giselda Medeiros e Tércia Montenegro.
A essa elite de escritoras de talento pertence o nome de Aíla Sampaio,
que conheci ainda por ocasião da sua estreia, e cuja evolução venho
acompanhando com respeito e curiosidade, porque profícua a sua produção, porque
profundos os seus conhecimentos, porque sincero e visceral o seu compromisso
com a palavra ritmada e com a palavra fundadora do belo.
Depois de chamar a atenção do público, com a sua tese de mestrado sobre
os mistérios de Lygia, e de esquadrinhar as vozes da sua escritura sutil e
polifônica, Aíla entrega-se agora à sedução da poesia, abrindo o seu baú de
desejos e expondo totalmente aos ventos a vertigem fatal da sua poética
fulgurante.
E, por entre curvas e desvios, Aíla Sampaio vai construindo a sua arte,
tecendo as suas teias, e mergulhando na sua solidão compartilhada, entretendo
os seus leitores com a força aliciante da palavra e da sua beleza metafórica.
A poesia de Aíla, nesse seu livro, de título sugestivo, faz-se a um só
tempo verbo e escansão, solidão e reticência, e purgação da morte em face da
libido do tempo.
O amor, a comunhão a dois e a busca incessante de Eros, para aplacar os
desafios da vida e os sentidos cambiantes do corpo, se entrelaçam, nesse livro
novo de Aíla, como se fossem os seus esteios de maior destaque.
Eis, portanto, De Olhos
Entreabertos (Fortaleza, Editora Sponti, 2012), um livro cuja linguagem nos
seduz, um livro que dignifica a sua autora e que não desmerece a ensaísta. E
que faz da sintaxe do desejo (e também do verso refletido) o espaço poético da
arte literária.
Maravilha, Dimas, você fala de poesia como quem escreve um poema. Obrigada pelas palavras generosas. Abraços, Aíla
ResponderExcluirPercebe-se que o nosso poeta de Lavras ficou sensibilizado e encantado com a leitura do livro "De Olhos Entreabertos" de Aíla Sampaio. Numa espécie de bela prosa poética, ele elabora uma beleza de texto, refletindo sobre a vida, em profundidade, quando pondera sobre a eternidade, o tempo, e o que é sagrado. Fala sobre a criação literária, com conhecimento de causa, e nos dá, assim, uma aula de literatura. Por fim, insere a nossa poetisa Aíla no rol das grandes escritoras cearenses:Ana Miranda, Marly Vasconcelos, Natércia Campos, Inez figueredo,Técia Montenegro e Gilselda Medeiros, a nossa Princesa das Letras. Resta-me parabenizar o Poeta Dimas Macedo por esse belo escrito, bem como à poetisa Aíla por essa sua notável obra poética.
ResponderExcluirJ. Udine.
Dimas, você sabe reconhecer os escritores e escritoras que têm valor. Além disso é generoso o bastante para divulgá-los. Aíla Sampaio é poetisa, contista e ensaísta e sabe tratar a palavra com engenho e arte.
ResponderExcluirLourdinha Leite Barbosa
Texto muito bom! Reconhecer os talentos cearenses é uma virtude que poucos sabem fazer!!
ResponderExcluirChristina Herbster
Meus queridos João Uldine, Lourdinha e Chris Herbster, gratíssimo pelo que escreveram sobre a Aíla e o meu texto. Forte abraço.
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