domingo, 3 de setembro de 2017

Dimas Macedo - Entrevista a Franklin Jorge


Dimas Macedo



Franklin Jorge - Em que circunstância surgiu o seu interesse pela Literatura?

Dimas Macedo – Eis um assunto que se revelou para mim em forma de mistério. Na infância, quando me perguntavam o que eu queria ser no futuro, eu respondia que o meu desejo era ser escritor. Não sei o que isso representava no meu caso. Eu não tinha livros de Literatura por perto. O meio em que eu vivia era muito pobre e acanhado, assim como eram o mundo e as condições de existência nas cidades do interior do Nordeste, no início da década de 1960. Mas o meu avô – Antônio Lobo de Macedo, conhecido, ainda hoje, como Lobo Manso – era um cordelista renomado e o meu tio Joaryvar Macedo já despontava como pesquisador, firmando-se depois como um dos grandes historiadores do Ceará, com passagens pela Academia Cearense de Letras e o Instituto do Ceará.

Franklin – O que o levou a escrever?

Dimas – A inquietação existencial e cosmológica, as figuras lendárias da política de Lavras da Mangabeira, as histórias contadas pela minha mãe, o rumor das águas do Salgado que passava próximo à nossa casa, a mania que eu tinha em querer contar as estrelas em noites de muita claridade, a fuga do drama que eu via prosperando no seio da minha família, o sino que plangia diariamente na torre da Igreja de Lavras, a teimosia que eu tinha em aceitar os limites da educação formal que me era imposta pelos meus pais, o medo de morrer de forma inesperada, assim como todas as crianças que partiam e cujos enterros passavam pela minha rua, marcando a minha voz e o meu jeito de ser com as suas despedidas.

Franklin – Como definiria o ato de escrever?

Dimas – O ato de escrever para mim é e será sempre será uma pergunta. A claridade das coisas e o absurdo da vida, no meu caso, aguçam a necessidade de perguntar por que estou vivo, por que habito essa fauna tão contraditória e indulgente que é a humanidade mergulhada na sua hipocrisia e na falsificação da verdade. Minha literatura clama pela Viva e pela Esperança, é contraditória, assim como são várias as minhas personas diante da escritura e da palavra. Parece-me que o poeta, o crítico, o historiador e o jurista estão em oposição diante do meu eu profundo. Seriam os meus outros eus, para aqui me valer da expressão de Fernando Pessoa.

Franklin – Como transcorreu sua infância? Alguma coisa, em particular, o marcou nessa fase de sua vida?

Dimas – A minha infância não foi nada fácil. Como disse, certa feita, numa crônica publicada quando ainda era muito jovem: “minha infância nunca teve graça”, pois, doente e com “sentença de morte pela frente”, o jeito que tive foi fantasiar a existência durante a juventude e abraçá-la com resignação na maturidade. Hoje a vida para mim é uma Esperança, edificada na Fé e nas minhas convicções acerca existência do Amor. Mas eu não acredito na salvação do homem pela Fraternidade, nem acredito que a Política ou suas ideologias possam resolver os grandes problemas sociais. Nesse ponto, acho que sou um cético, mas na minha essência profunda eu não me considero um pessimista. 

Franklin – Como descreveria a contribuição do Ceará à Literatura Brasileira?

Dimas – O Ceará deu ao Brasil uma grande contribuição à Literatura. Desde José de Alencar e Araripe Júnior, passando por Domingos Olímpio, Adolfo Caminha, Antônio Sales e Oliveira Paiva, tem sido expressivo esse contributo. José Albano é um poeta de grande inspiração e elaboração estilística; os romances de João Clímaco Bezerra e Rachel de Queiroz, os contos de Moreira Campos, a ficção de Herman Lima, a poesia de Francisco Carvalho e Gerardo Mello Mourão, o teatro de Eduardo Campos, a estética exemplar e simbólica de Alcides Pinto, sobre a qual escrevi o livro A Face do Enigma, e a criação literária de Natércia Campos e Nilto Maciel fazem do Ceará um território literário expressivo cujas marcas são a expressão da palavra levada às últimas consequências.

Franklin –  O que distingue, a seu ver, os escritores cearenses contemporâneos dos escritores históricos? Há algum traço discernível entre eles?

Dimas – Os escritores contemporâneos afastaram-se um pouco do drama secular e da tragédia que remarcaram a nossa formação, mas em poetas como Adriano Espínola e Luciano Maia (principalmente, neste último) vemos o Ceará redesenhado, pela luminosidade do sol e pelo mito da sua redenção através da transfiguração do Rio Jaguaribe. Carlos Emílio Correia Lima é um escritor que me parece injustiçado e Audifax Rios é um romancista que precisa ser avaliado. Nos dias atuais, eu citaria a poesia de Roberto Pontes, Horácio Dídimo e Linhares Filho, e destacaria a ficção de Pedro Salgueiro e Tércia Montenegro, elevando a um posto mais alto os romances de Ana Miranda.
  
Franklin Jorge – Como descreveria a vida cultural do Recife em relação a de Fortaleza?

Dimas – Eis um pergunta que continua nos desafiando. A vida cultural de Recife é pujante e em seus intelectuais se pode colher uma maior consciência política. Fortaleza é mais provinciana e os seus muros ainda são feitos de palhas de coqueiro, apesar dos seus grandes achados culturais e estéticos, como é o caso da Academia Francesa e da Padaria Espiritual. Coisas típicas da formação política dessas duas cidades, tão próximas e tão distantes em face dos processos sociais, industriais e políticos e que se diferenciam, também, desde a base das suas inserções em áreas mais ou menos extensas do nosso semiárido.

Franklin – Crê que o Jornalismo, como o conhecemos, caminha para a dissolução e desaparecimento?

Dimas – Não acredito na hipótese da dissolução do jornalismo tal como o conhecemos hoje. As suas formas de expressão se transformaram, está havendo uma pluralidade de nichos editoriais, a sua qualidade está muito pior, mas a dissolução que vejo no jornalismo é a dissolução da verdade, a falsificação do fato, a negação da reportagem que já não é a mesma e que se dissolve, também, pela necessidade de criação da notícia, imposta pela velocidade da vida exposta nas redes sociais, que precisam ser alimentadas, ainda que tenhamos que matar o nosso semelhante em nome da cegueira que atravessa o espaço midiático. É, parece que já estou concordando com a sua pergunta, e isso já é motivo para ressaltar que precisamos discutir com mais profundidade esse tema de tão alta relevância. 

Franklin – Como e em que circunstância conheceu Nilto Maciel? Como vê a sua contribuição à Literatura e o seu trabalho de divulgador dos escritores brasileiros? Como o descreveria?


Dimas – Perdem-se no tempo as minhas andanças e os meus colóquios com Nilto Maciel. Um dos raros escritores incomuns na Literatura brasileira das últimas décadas, infelizmente, desaparecido. A nossa produção literária e a geração de escritores seus contemporâneos muito devemos à sua liderança e influência. E tanto mais, somos devedores da sua criação literária, original e desafiadora. Nilto Maciel escreveu uma obra de gênio, uma escritura de corte sintético e de alcance simbólico que primam pela correção gramatical e pelo refinamento estético e estilístico. Sem nenhuma dúvida, Nilto é uma dos nossos maiores escritores. Seu trabalho de divulgação dos autores brasileira talvez encontre poucos exemplos com os quais possa concorrer. A criação da revista O Saco, em Fortaleza, ainda na década de 1970, e a repercussão alcançada pela sua proposta, mexeram, profundamente, com a nossa literatura. Depois, já residindo em Brasília, Nilto Maciel fundou a Editora Códice e a revista Literatura, cuja trajetória todos nós conhecemos. Associei-me a ele nesses dois últimos projetos. Mantive com ele uma correspondência franca e proveitosa, especialmente, na época que escrevíamos à mão ou de forma datilografada. Talvez essa correspondência valesse alguns volumes, se ainda estivéssemos na época em que a escritura feita dessa forma tinha o seu significado. Sempre irônico e resignado com os tormentos da sua vida interior inquieta, Nilto Maciel era, no entanto, uma viajante, e viajante em todos os sentidos. Não demorava muito em um mesmo endereço. Trocou a cidade de Baturité, onde nasceu, por Fortaleza. Depois, mudou-se para Brasília, onde desempenhou as suas funções de burocrata, como funcionário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, lastreando-se no seus conhecimentos de Bacharel em Direito. Mas isso conta muito pouco na sua biografia, pois o que importa destacar na sua vida é a Literatura, que fundamenta toda a sua vida enquanto destino e vocação. 

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