segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O Velho Zé Lobo de Juazeiro

      Dimas Macedo

         Poucos personagens, nas últimas décadas do Império e nos primeiros anos da República, em Lavras da Mangabeira, tiveram tanta projeção na vida pública da comuna quanto o tenente-coronel José Joaquim de Maria Lobo.

        Na vila de São Vicente Ferrer, teve atuação destacada como professor primário, inspetor escolar, advogado provisionado, promotor de justiça, vereador e membro do Conselho de Intendência Municipal, nomeado aos 26 de julho de 1890 e exonerado a 25 de agosto do mesmo ano.

       Jornalista com aspirações a literato, na vila da São Vicente das Lavras assumiu as funções de agente fiscal, integrou a Guarda Nacional e destacou-se como proprietário rural e líder do partido monarquista, adaptando-se depois às orientações do partido republicano.

       Ao contrário daquilo que sobre ele registrou o Núncio Apostólico do Brasil, Girolando Maria Gotti, tinha José Joaquim de Maria formação cultural bastante razoável.

       Iniciou seus estudos na cidade do Crato, com os professores Rufino de Alcântara Montezuma e José Marrocos Teles, segundo Joaryvar Macedo, no seu livro A Estirpe de Santa Teresa (Fortaleza: Imprensa Universitária, 1976).

        Depois, como registra o Padre Heliodoro Pires, estudou no Colégio do Padre Rolim, em Cajazeiras, na Paraíba, onde foi contemporâneo do Padre Cícero Romão e dos seus conterrâneos lavrenses: o coronel Gustavo Augusto Lima e o poeta Fausto Correia de Araújo Lima, personagens que, assim como ele, gravitaram ao redor do Padre Cícero e das suas grandes peripécias.

        Natural do sítio Francisco Gomes, município do Crato, onde nasceu aos 18 de setembro de 1849, consta que passou a residir na Freguesia de Lavras a partir de novembro de 1866, quando o seu pai, o capitão João Lobo, adquiriu por compra o Sítio Calabaço, onde instalou o tronco da família Lobo de Macedo, naquele município.

        Em Lavras da Mangabeira, casou-se com Mariana Alves Bezerra, herdeira da Fazenda Alagoinha, atual cidade de Ipaumirim. Ali estabeleceu a sua residência e a administração dos bens, que somavam propriedades no município de Lavras e em Cajazeiras do Rio do Peixe, no vizinho Estado da Paraíba.

        No livro de Otávio Aires de Menezes, Juazeiro e Seu Legítimo Fundador o Padre Cícero Romão Batista (Fortaleza: LCR, 2012), o Velho Zé Lobo é apontado como o verdadeiro fundador do antigo distrito de Alagoinha, esclarecendo o referido autor que aquela sorte de terras “pertencia a Lavras da Mangabeira e era de propriedade de José Joaquim de Maria Lobo”, e que o mesmo, “ao tomar posse da propriedade, mandou construir o açude e construiu uma grande casa de taipa”, fazendo “reparo ou reconstrução em três outras casas já existentes”.

          E esclarece Otávio Aires de Menezes que o tenente-coronel José Lobo “mandou ainda edificar uma Capela de regular dimensão, de alvenaria e telha, comprou ornamento e imagens e escolheu como patrono São José”; e que “depois de tudo construído, o vigário de Umari, após a bênção da Capela, prontificou-se a celebrar a missa nos dias do padroeiro e também nos dias 25 e 13 dezembro, consagrado este último a Santa Luzia, a santa da sua devoção”.

         Esse depoimento de Otávio Aires de Menezes não contraria, contudo, as pesquisas de Rejane Augusto, que sustenta que a cidade de Ipaumirim, e não a sua povoação, fui fundada pelo coronel João Augusto, conforme aquilo que está pontuado no seu livro, Coronel João Augusto Lima: 1886 – 1986 (Fortaleza: Edição da Autora, 1986).

         Conhecendo o Padre Cícero desde os tempos do internato em Cajazeiras, o Velho Zé Lobo abalou-se com a propagação dos milagres ocorridos em Juazeiro; e tanto neles acreditou, que deixou para trás a sua família, as suas propriedades, as suas raízes culturais e a sua prosperidade como agricultor, para mudar-se definitivamente para Juazeiro, em 1894, onde assumiu um papel relevante na divulgação da mística do grande taumaturgo do Nordeste.

         O Velho Zé Lobo, como se tornou amplamente conhecido, fundou, no Ceará, a Legião da Cruz, e tornou-se, até a sua morte, o seu líder consumado. Levou a causa de Juazeiro ao Rio de Janeiro e depois a Roma, sendo ali o advogado do Padre Cícero, junto ao Tribunal das Santas Inquisições, residindo, inclusive, com o sacerdote, na Cidade Eterna, durante oito meses, aproximadamente.

         Viajou para Roma, pela primeira vez, em setembro de 1896, ali protocolando, junto ao Santo Ofício, a defesa do seu constituinte, que seria, no entanto, condenado, em 10 de fevereiro de 1897.

         Esteve uma segunda vez em Roma, segundo Joaryvar Macedo, mas é certo que voltou ao Vaticano, pela terceira vez, em março de 1898, a chamado do Padre Cícero Romão, que a ele tudo confiava, permanecendo em Roma até outubro do referido ano, quando regressou ao Brasil, portando uma das maiores vitórias que um advogado poderia obter junto a um Tribunal Internacional.

         Desembarcou em Juazeiro, provavelmente acompanhado pelo Padre Cícero, no final de outubro de 1898, carregando milhares de cruzes de madeira que afirmava terem sido bentas pelo Papa, em favor da causa que havia defendido. Um político muito astucioso, com certeza, e um advogado muito habilidoso que deu muitas dores de cabeça ao Bispo Dom Joaquim e à cúpula da Igreja Católica cearense.

         Em Juazeiro, edificou uma sólida residência, que durante décadas foi a Casa Forte da difusão dos milagres atribuídos à beata Maria de Araújo para todo o Nordeste, tendo ali adquirido o sítio Logradouro, nas proximidades da cidade santa. Contudo, indispondo-se com Floro Bartolomeu e sentindo-se rejeitado pelo Padre Cícero, mudou-se para Lavras da Mangabeira em 1914, ali permanecendo até 1916, quando o Padre Cícero, “tomando conhecimento das suas dificuldades, mandou buscá-lo para Juazeiro”.

          Com relação a Zé Lobo, não é justa, portanto, a pecha de ignorante com que foi apresentado junto ao Vaticano, pelo Núncio Apostólico do Brasil, pois não podemos presumir que um antigo jornalista e professor, vereador e promotor de justiça, na terra de Dona Fideralina e dos Augustos, navegando nas hostes da oposição, fosse alguém desprovido de atributos no plano da cultura.

          Cognominado O Lobo de Juazeiro, pelo Santo Ofício, e largamente acusado de haver abarrotado o Óbolo de São Pedro de moedas e não de argumentos lógicos em prol da sua causa, era o Velho José Lobo uma figura de chamar a atenção, segundo Lira Neto, no seu livro Padre Cícero – Poder, Fé e Guerra no Sertão (São Paulo: Companhia das Letras, 2009), que o descreve vestido de “terno preto, fitas coloridas e medalhinhas religiosas pregadas na lapela”. E acrescenta: “Uma espécie de beato de paletó e gravata, dono de sólido patrimônio”.

        Um Zé Lobo, portanto, muito diferente daquele que conheço das referências que ouvi na minha meninice, em Lavras da Mangabeira, e que apontavam para a última fase da sua existência, em que restava apenas o coronel decadente, vivendo a expensas da família, no glorioso Sítio Calabaço, onde se guardava, até a década de 1970, uma velha arca de couro que a ele teria pertencido, e que o acompanhou nas suas viagens à Europa.


       O próspero fazendeiro José Joaquim de Maria Lobo, segundo Ralph Della Ralph, no seu livro Milagre em Joazeiro (Rio: Editora Paz e Terra, 1976), teria sido o arquiteto e o arauto maior de Juazeiro, não se justificando, assim, que os historiadores do Cariri ou do Nordeste tenham esquecido o seu nome, a contar do seu sobrinho Joaryvar Macedo, que tanto reclamou sobre o assunto.

       As terras das quais era senhor, no Sítio Calabaço, em Lavras da Mangabeira, pertenceram inicialmente ao seu pai, o capitão João Lobo de Macedo, que exerceu domínios sobre o engenho e a casa-grande do sítio Calabaço, em cuja alcova vim ao mundo, em 1956.

        As suas propriedades, em Lavras da Mangabeira, Juazeiro, Alagoinha e em Cajazeiras, na Paraíba, facilmente se dilapidaram na fase em que a mística e o fanatismo religioso tomaram o lugar da sua alma, tendo as suas terras no sítio Calabaço sido compradas pelo seu irmão, o capitão Joaquim Lobo de Macedo, que foi o provedor das suas necessidades financeiras na época da velhice, auxiliado pelo Padre Cícero.

       As terras que circundavam o sítio Calabaço – no caso, a Água Fria, o Junco, o Barro Banco, o Pau d’Arco e o Baixo –, constituíam, na adolescência e ainda na velhice de Zé Lobo, um núcleo de poder patriarcal, econômico e social de grande efervescência, sendo justo, portanto, o afirmar-se ser o filho do capitão João Lobo, um produto do sistema latifundiário, no município de Lavras.

          Os biógrafos do Padre Cícero e os intérpretes da região do Cariri costumam registrar que o fundador de Juazeiro teve duas grandes orientações: a do Velho Zé Lobo, na sua fase mística e de oblação espiritual; e a de Floro Bartolomeu, na sua fase predominantemente política.

          Floro Bartolomeu, como é sabido, esmagou a influência de Zé Lobo sobre o sacerdote e levou o líder da Legião da Cruz à mais espantosa miséria e à sua total exclusão da vida social, de forma que o mesmo veio a ser socorrido pelo seu irmão, o capitão Joaquim Lobo de Macedo, que o levou de volta para o seio de sua parentela, reconciliando-o com a sua família e com os seus conterrâneos, tanto na cidade de Lavras, quanto no sítio Calabaço.

         O Velho José Lobo, no entanto, já não era o mesmo, havia ido longe demais, e sua antiga tradição, na Terra dos Augustos, também tinha mudado de lugar. Finalmente, vítima da gripe espanhola, conhecida como A Bailarina, veio a falecer, em Juazeiro do Norte, em 1918.   
           
        A lavrense Mariana Alves Bezerra (Naninha), depois, Mariana Alves de Macedo, com quem foi consorciado, era filha de Glória Alves Bezerra (Glorinha) e de Raimundo Correia Lima (Raimundo Gordo).

       Uma de suas filhas, Raimunda Senhorinha de Macedo (Mundinha), tornou-se legionária e beata em Juazeiro do Norte; a outra, Maria da Glória de Macedo (Mariinha), casou-se com Aristides Ferreira de Menezes, contando-se entre os seus netos, o romancista Durval Aires, da Academia Cearense de Letras.

        Dos seus artigos publicados em jornais, e assim dos seus escritos inéditos, muito se valeu Irineu Pinheiro para escrever a história de Juazeiro do Norte e do Cariri. E da sua decisão de propagar Juazeiro, para além do Vaticano e da Igreja Católica do Brasil, muito ainda terá que depender a reabilitação do nosso grande taumaturgo.

        Falta-lhe, no entanto, um biógrafo ou talvez um intérprete que o coloque, noventa e cinco anos após a sua morte, na sua devida projeção, pois sem a sua causa, a sua valentia e sua cultura de advogado e jornalista, Juazeiro talvez não tivesse o status que hoje tem no Vaticano.           


                                                                                          Fortaleza, novembro de 2018

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