terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O Poeta Fiúza de Pontes

              Dimas Macedo





           Em Lavras da Mangabeira nasceu Antônio Fiúza de Pontes, aos 14 de junho de 1876. Filho do coronel Antônio de Pontes Fiúza Lima e de Umbelina de Carvalho Pontes.

         Fez os estudos primários em Aracati, com o padre João Francisco Pinheiro. Transferindo-se para Fortaleza, em 1892, aqui ingressou no Instituto de Humanidades, dirigido pelo Monsenhor Vicente Salazar da Cunha, concluindo o referido curso no Liceu do Ceará.

          Nessa última casa de ensino, iniciou os seus preparatórios, terminando-os no Recife, no Curso Anexo, em 1898, quando ingressou na Faculdade de Direito, pela qual saiu Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, aos 7 de dezembro de 1902.

        Depois de formado, foi nomeado Promotor de Justiça de Monte Alegre, no Pará, e, em 1903, promovido a Juiz Municipal Substituto da Comarca de São Miguel do Guará, no mesmo Estado.

           Criada a Faculdade Livre de Direito do Ceará, em 1903, para a mesma foi nomeado Secretário, por ato de 14 de março de 1904, passando, a 14 de agosto de 1906, a ocupar o cargo de lente substituto de Direito Penal, sobressaindo-se como professor emérito e competente.

            Em 2 de abril de 1907, ainda integrando o corpo docente da Faculdade, recebeu o grau de Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais e, no mesmo ano, escreveu Memória Histórica da Faculdade Livre de Direito do Ceará e dirigiu o Curso Complementar de Prática Forense.

              Envolvendo-se com as lutas políticas e sociais da época, foi eleito Deputado à Assembleia Legislativa do Ceará, nas legislaturas de 1905 a 1908 e de 1909 a 1912, destacando-se no campo da política pelo brilho excepcional da sua inteligência.

              Foi, contudo, na literatura que Fiúza de Pontes veio a se consagrar. Participou ativamente dos movimentos literários e culturais de sua época. Pertenceu ao Centro Literário, fundado aos 27 de setembro de 1894, em cujas sessões leu os versos do livro Myosotis, que não chegou a publicar.

            Contado entre os criadores do grupo literário Plêiade, fundado aos 15 de setembro de 1908 e do qual foi presidente, era considerado poeta de elevada inspiração, e “um perfeito temperamento de artista”, na opinião de Mário Linhares.

            Publicou poesias esparsas na imprensa do Ceará e de outros Estados, especialmente no jornal A República e na revista Iracema, esta última, órgão do Centro Literário.

           Além de Myosotis, deixou mais dois livros inéditos: Florões e Dos Tempos Idos, tendo falecido na capital cearense aos 19 de fevereiro de 1909. Entre as homenagens que lhe foram prestadas, é hoje nome de rua em Fortaleza.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A Poesia de Eduardo Pragmácio

     Dimas Macedo

                                           

       Entre a realidade observada pelo senso comum e a transfiguração concretizada pela escritura poética, existe uma mudança de plano: o campo visual e o sentimento criam uma nova razão, e a estranheza aí se instaura em forma de milagre.

        O impasse criativo transmuta-se em beleza e a existência se torna mutante, em contraposição à moldura dos processos históricos. A arte, neste ponto, realiza o indizível, e os poetas, afirmativamente, se interpõem nesse contexto como se fossem cosmonautas.

     Não há como deter os signos da linguagem ou os códigos que a palavra reinventa. Jung, nas suas reflexões sobre a arte, afirmou que seria impossível encontrar alguma reflexão ou algum insight que não tenham passado pela imaginação de um poeta.

    Eduardo Pragmácio Filho, no seu segundo conjunto de poemas, intitulado estranheza (Fortaleza: Imprece, 2016) firma-se como um dos principais poetas da sua geração, projetando o Ceará no campo da poesia brasileira, no qual a sua criação se torna um traço distintivo.





segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A Ciência Jurídica

            Dimas Macedo



    Toda ciência tem por pressuposto a abordagem de determinada realidade ou o questionamento de certos objetos, encontrados na Natureza ou formulados pela Cultura. A Ciência do Direito posiciona-se no grupo das ciências da Cultura, pois tem por objeto a investigação do fenômeno jurídico, que é constituído pela junção destes elementos: fato, valor e norma.

          Estes elementos, facilmente encontrados no sociedade e nas interações da vida social, e facilmente identificados como de procedência cultural, reunidos ou isoladamente, informam o suporte de existência do Direito, quando se referem a valores que interessam ao sistema jurídico de caráter normativo.

 De plano, eles não constituem propriamente Ciência, mas objetos de especulação científica, esclarecendo-se aqui que a Ciência Jurídica tem um objeto, o qual, seria o próprio Direito. Como toda ciência, pois, a Ciência do Direito teria uma especificidade.

  E quando falamos em especificidade da Ciência Jurídica, queremos nos referir àquilo que é próprio ou constitui a essência do seu objeto, no caso, o Direito Positivo, que é o conjunto sistematizado de normas jurídicas vigentes em determinado Estado.

  Tendo-se presente o pressuposto da norma, podemos estudar o seu enunciado e as suas consequências em face da Ciência do Direito, porém observando-se, em tudo, que aquilo que chamamos de Direito, enquanto dimensão valorativa, é estudado pela Filosofia Jurídica, e, enquanto fato social, pela Sociologia Jurídica.

   Contudo, não é por acaso que chegamos à compreensão dessa realidade. Para descobrir o objeto de uma Ciência, necessário se faz que escolhamos um caminho a ser percorrido, isto é, um método próprio de investigação do conhecimento que buscamos assimilar.

  Tércio Sampaio Ferraz Jr., no seu livro A Ciência do Direito (São Paulo: Atlas, 1977), chama a atenção para o fato de que a Ciência Jurídica não é unívoca na percepção do seu objeto. A Ciência Jurídica, portanto, prescinde de várias elementos científicos e de pesquisas capazes de moldar a sua natureza.

  Se navegarmos pelos campos do existencialismo, do culturalismo ou do humanismo filosófico, atinentes ao mundo do Direito, iremos encontrar, no Brasil, outras fontes de pesquisa que primam pelo rigor do método e do embasamento hermenêutico da pesquisa jurídica, tais os casos de Luiz Fernando Coelho, com a sua Teoria da Ciência do Direito (São Paulo: Saraiva, 1974), e de Nelson Saldanha, com a sua atividade incessante de pensador.

        O estudo científico do Direito também encontrou acolhida, entre nós, na obra de Miguel Reale, Gofredo Telles Júnior e Maria Helena Diniz, isto sem levar em conta as contribuições de Hermes Lima, Djacir Menezes e Daniel Coelho de Souza e os faróis que foram acendidos ainda no século dezenove pela obra de Tobias Barreto.

 Na sua Teoria da Ciência Jurídica (São Paulo: Saraiva, 1975), Machado Neto apresenta-nos o método como sendo “um pressuposto de que há de se achar armado o cientista quando parte para a investigação do aspecto da realidade que cabe à sua ciência tematizar e dominar”.

  Para Raimundo Bezerra Falcão (in “O Método na Elaboração de Normas Jurídicas”,1984), “Toda ciência tem um campo para o qual se volta, ou um prisma sob o qual vê a realidade. Em ambos os casos, tem-se o objeto da Ciência. A possessão dessa realidade, que vai permitir a formulação de leis de causa e efeito, é perseguida dentro de determinados parâmetros de raciocínio, obedientes a certas técnicas de trabalho e de busca da verdade, imunes a valorizações que possam comprometer os resultados, já que não é razoável predicar-se total isenção axiológica, mormente no que toca às Ciências Sociais”.

 O método, para esse grande jurista, “é o caminho que enseja a aquisição do conhecimento e do saber, relativamente ao objeto de uma ciência”. E nesse sentido, também nos parece pertinente o livro A Ciência do Direito (Rio: Forense, 1982), de Agostinho Marques Ramalho Neto, que se volta para o método, desde as Ciências Sociais, como elemento indispensável da pesquisa jurídica.

Esclarecemos, aqui, que ela deve ser compreendida desde a sua visão pela teoria kelseniana, levando-se em conta o Direito Positivo como conjunto sistematizado de normas e a Teoria do Direito como Teoria da Norma Jurídica, cuja natureza e características aqui não nos cabe abordar, pois o que pretendemos estudar é a norma como linguagem valorada e técnica de decisão em face do sistema jurídico.

 O que nos interessa é a norma na sua postura de ser a manifestação mais visível do Direito, e de congregar, na sua aplicação, o estádio último da sua validade, ainda porque, como nos adverte Luiz Fernando Coelho, em Lógica Jurídica e Interpretação das Leis (Rio: Forense, 1981), “a Juridicidade da norma consiste em ser ela o repositório, a objetivação fenomenizada de todos os fatos onde se manifesta a criatividade intencional e necessária do homem socialmente dimensionado”.

    Apesar da especulação filosófica ter reconhecido, desde o início da História, que o objeto do Direito é, em parte, existencial e, em outra dimensão, formal, material ou transcendente, quase sempre ela se valeu de alguma metodologia para explicar as suas conclusões. Ela nunca pode dissociar o fato da existência da norma, e não lhe foi possível, também, separar a norma do valor.

O fato, quando não valorado pela norma, não expressa Direito. Pode interessar ao estudo da Sociologia, mas pouco importa para a Teoria do Direito. Da mesma forma, se diga com relação ao valor, que, enquanto valor, interessa unicamente ao estudo da Filosofia.

  A norma resulta do fato, mas o fato não contém a norma, a qual sempre se refere a uma conduta, na mesma proporção em que expressa um valor, projetando-se como o elemento máximo do universo jurídico; máximo e plenamente capaz de dar à Ciência do Direito o objeto necessário à sua autonomia.

 Nesse sentido, não há como fugir da Teoria Pura do Direito (4ª ed. Lisboa: Armênio Amado Editor, 1979), de Hans Kelsen, ainda porque, como adverte Hugo de Brito Machado (Fortaleza, 1983), “a teoria Kelseniana efetivamente oferece explicação para as mais diversas questões jurídicas. Por outro lado, delimitando o conhecimento do direito em face de disciplinas com as quais guarda este estreita conexão, evita um sincretismo metodológico que obscurece a essência da Ciência Jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela natureza do seu objeto”.

  No seu livro Introdução à Ciência do Direito (2ª ed. Rio: FGV, 1975), Daniel Coelho de Souza advoga que o estudioso do Direito deveria partir da análise da realidade histórico-social para, “por comparação e indução, alçar-se aos conceitos”. Para este filósofo do Direito, a primordial característica do jurista seria a sua subordinação ao método científico. E acrescenta: “ao jurista competiria observar as instituições, determinar as suas afinidades, assinalar as suas relações permanentes, e, finalmente, por indução, alcançar as respectivas noções gerais”.

  A problemática que envolve a Ciência do Direito, como se observa, constitui uma questão metodológica. E toda pesquisa jurídica que venha a se realizar fora de um rigor metodológico, pode ser conhecimento jurídico, porém nunca será Ciência do Direito; pode nos conduzir à teoria da norma, mas não nos oferecerá a norma como afirmação da realidade jurídica.

Bibliografia 

COELHO, Luiz Fernando. Teoria da Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1974.

COELHO, Luiz Fernando Coelho. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. Rio: Forense,1981.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1977.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 4ª ed. Lisboa: Armênio Amado Editor,1979.

MACHADO NETO, L. A. Teoria da Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1975.

RAMALHO NETO, Agostinho Marques. A Ciência do Direito. Rio: Forense, 1982.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Rousseau e a Prática da Constituição

           Dimas Macedo


          Apesar de ter sido um pensador paradoxal, Rousseau foi bastante realista quando se contrapôs ao sistema burguês de governo, vigente na Europa durante o período em que viveu. O Contrato Social, de 1762 – o seu ensaio político maior alcance –, influenciou a criação do Estado Democrático e forneceu os elementos para a sua transformação em Estado Social de Direito.

          Não seria correto, dessa forma, enquadrá-lo na relação dos escritores utópicos, que sonharam com a mudança das estruturas sociais e políticas, mas que sucumbiram no limbo da imaginação e da ficção dos seus delírios mentais inconsequentes.

          Rousseau foi talvez o único filósofo social do seu tempo que anteviu o incêndio político da Europa, no final do século dezoito, e o único também que descobriu o cidadão enquanto sujeito político e agente da revolução social que se aproximava, e que o elevou à condição de arauto da democracia e da soberania popular, da igualdade política e da vontade geral.

             Não cabe aqui considerar a extensão ou a utilidade dos seus inumeráveis escritos de Filosofia, nem a vastidão dos seus conhecimentos sobre a arte, a educação, a economia ou a origem do fenômeno linguístico, porque tudo isso é de domínio comum e de conhecimento generalizado.

            Cabe, sim, nesta exposição, falar do Rousseau que desceu da sua estratosfera de escritor confessional e prolixo para contemplar a realidade institucional de duas nações europeias e escrever os seus Projetos de Constituição. Refiro-me ao Projeto de Constituição Para a Córsega, de 1764, e às Considerações Sobre o Governo da Polônia e Sua Reforma Projetada, de 1772, livros que diferem de tudo o que Rousseau escreveu, e que o mostram em sintonia com os problemas da Constituição.

            Sabemos que a Teoria da Constituição é uma coisa e que a Experiência da Constituição é algo, com certeza, muito diferente. No caso de Rousseau, me parece claro que a sua teoria antecipou o discurso sobre a prática e o sentido da Constituição; mas é certo, também, que ele se envolveu com a Constituição enquanto expressão objetiva de uma comunidade soberana.

             Numa passagem do seu livro O Contrato Social, de 1762, afirma Rousseau que a Córsega surpreenderá a Europa no campo das suas instituições políticas. Referia-se ele à Constituição corsa de 1755, a primeira Constituição escrita a ser promulgada na Europa, e que serviu de modelo para a Constituição Americana de 1787.

          Rousseau, apesar da sua compulsão pela imaginação e o delírio, nas suas considerações acerca dessa memorável Constituição, foi bastante objetivo no sentido de apontar os fatores reais de poder sobre os quais deveria versar a sua reforma, mostrando-nos o quanto a Educação e a Economia são instituições que se devem guardar na Constituição, ao lado da organização dos Poderes e proclamação dos Direitos Civis.

               No seu Projeto de Constituição Para a Córsega (Porto Alegre: Globo, 1962) Rousseau anteviu a corrosão que o capitalismo e as formas de produção da Modernidade poderiam causar à qualidade de vida. Previdente e racional como poucos escritores de seu tempo, o Filósofo apresentou a proposta de “estabelecer uma correta política florestal” naquela nação, e de “regulamentar os cortes de tal modo que a produção se iguale ao consumo”, antecipando, assim, a ideia de desenvolvimento sustentável.

              A outra abordagem feita por Rousseau, acerca de um Projeto de Constituição, encontra-se nas Considerações Sobre o Governo e sua Reforma Projetada (São Paulo: Brasiliense, 1981). Rousseau foi bastante sintético nesse texto, nele se fazendo mais objetivo e muito mais prático do que antes.

              A preocupação com a realidade política da Polônia e com suas oscilações institucionais e seu processo de autonomia, mostra-se, no texto de Rousseau, como pressuposto para a atuação racional do Poder Constituinte. No livro se acham projetadas (e também discutidas) a dimensão material da Constituição polonesa e as formas políticas que devem ser utilizadas, pelos poderes do Estado, tendo em vista a estabilidade da sua ordem social e econômica.

              Para uma compreensão desse importante discurso de Rousseau torna-se por certo indispensável a leitura da edição brasileira desse livro, preparada por Luiz Roberto Salinas Fortes, o mais sólido intérprete de Rousseau em língua portuguesa, e também o mais sintonizado com o traço dialético e perdidamente crítico da obra desse grande filósofo da Política.

             A Educação e a Economia também aparecem nesse projeto de Rousseau como eixos estruturais da Constituição. Mostrando os seus conhecimentos e a sua visão estratégica acerca da realidade institucional polonesa, o autor chega, inclusive, a aduzir que “a escolha do sistema econômico que a Polônia deve adotar depende do objeto a que ela se propõe”.

             Discorre, em seguida, Jean-Jacques Rousseau, sobre a “correção da Constituição”, isto é, sobre a sua Reforma, abrindo inclusive, no seu livro, todo um capítulo justamente intitulado – Meios de Manter a Constituição, no qual nos ensina que a vida jurídica e institucional da Polônia foi feita “sucessivamente de peças e pedaços”:

           “À medida que se via um abuso, fazia-se uma lei para remediá-lo. Dessa nasciam outros abusos, que era preciso novamente corrigir”. E acrescenta Rousseau, “Essa maneira de operar não fim e leva ao mais terrível de todos os abusos, que é o de enfraquecer todas as leis à força de multiplicá-las”.

               Esse pequeno livro de Rousseau, infelizmente pouco referido ou estudado pelos seus intérpretes, pode ser tomado como uma chave de conclusão para O Contrato e como uma espécie de testamento político do autor, pois nada mais escreveu esse filósofo no campo do Direito Político, por certo convencido de que foi da teoria até o limite em que a prática da política desafia a estabilidade das instituições.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O Velho Zé Lobo de Juazeiro

      Dimas Macedo

         Poucos personagens, nas últimas décadas do Império e nos primeiros anos da República, em Lavras da Mangabeira, tiveram tanta projeção na vida pública da comuna quanto o tenente-coronel José Joaquim de Maria Lobo.

        Na vila de São Vicente Ferrer, teve atuação destacada como professor primário, inspetor escolar, advogado provisionado, promotor de justiça, vereador e membro do Conselho de Intendência Municipal, nomeado aos 26 de julho de 1890 e exonerado a 25 de agosto do mesmo ano.

       Jornalista com aspirações a literato, na vila da São Vicente das Lavras assumiu as funções de agente fiscal, integrou a Guarda Nacional e destacou-se como proprietário rural e líder do partido monarquista, adaptando-se depois às orientações do partido republicano.

       Ao contrário daquilo que sobre ele registrou o Núncio Apostólico do Brasil, Girolando Maria Gotti, tinha José Joaquim de Maria formação cultural bastante razoável.

       Iniciou seus estudos na cidade do Crato, com os professores Rufino de Alcântara Montezuma e José Marrocos Teles, segundo Joaryvar Macedo, no seu livro A Estirpe de Santa Teresa (Fortaleza: Imprensa Universitária, 1976).

        Depois, como registra o Padre Heliodoro Pires, estudou no Colégio do Padre Rolim, em Cajazeiras, na Paraíba, onde foi contemporâneo do Padre Cícero Romão e dos seus conterrâneos lavrenses: o coronel Gustavo Augusto Lima e o poeta Fausto Correia de Araújo Lima, personagens que, assim como ele, gravitaram ao redor do Padre Cícero e das suas grandes peripécias.

        Natural do sítio Francisco Gomes, município do Crato, onde nasceu aos 18 de setembro de 1849, consta que passou a residir na Freguesia de Lavras a partir de novembro de 1866, quando o seu pai, o capitão João Lobo, adquiriu por compra o Sítio Calabaço, onde instalou o tronco da família Lobo de Macedo, naquele município.

        Em Lavras da Mangabeira, casou-se com Mariana Alves Bezerra, herdeira da Fazenda Alagoinha, atual cidade de Ipaumirim. Ali estabeleceu a sua residência e a administração dos bens, que somavam propriedades no município de Lavras e em Cajazeiras do Rio do Peixe, no vizinho Estado da Paraíba.

        No livro de Otávio Aires de Menezes, Juazeiro e Seu Legítimo Fundador o Padre Cícero Romão Batista (Fortaleza: LCR, 2012), o Velho Zé Lobo é apontado como o verdadeiro fundador do antigo distrito de Alagoinha, esclarecendo o referido autor que aquela sorte de terras “pertencia a Lavras da Mangabeira e era de propriedade de José Joaquim de Maria Lobo”, e que o mesmo, “ao tomar posse da propriedade, mandou construir o açude e construiu uma grande casa de taipa”, fazendo “reparo ou reconstrução em três outras casas já existentes”.

          E esclarece Otávio Aires de Menezes que o tenente-coronel José Lobo “mandou ainda edificar uma Capela de regular dimensão, de alvenaria e telha, comprou ornamento e imagens e escolheu como patrono São José”; e que “depois de tudo construído, o vigário de Umari, após a bênção da Capela, prontificou-se a celebrar a missa nos dias do padroeiro e também nos dias 25 e 13 dezembro, consagrado este último a Santa Luzia, a santa da sua devoção”.

         Esse depoimento de Otávio Aires de Menezes não contraria, contudo, as pesquisas de Rejane Augusto, que sustenta que a cidade de Ipaumirim, e não a sua povoação, fui fundada pelo coronel João Augusto, conforme aquilo que está pontuado no seu livro, Coronel João Augusto Lima: 1886 – 1986 (Fortaleza: Edição da Autora, 1986).

         Conhecendo o Padre Cícero desde os tempos do internato em Cajazeiras, o Velho Zé Lobo abalou-se com a propagação dos milagres ocorridos em Juazeiro; e tanto neles acreditou, que deixou para trás a sua família, as suas propriedades, as suas raízes culturais e a sua prosperidade como agricultor, para mudar-se definitivamente para Juazeiro, em 1894, onde assumiu um papel relevante na divulgação da mística do grande taumaturgo do Nordeste.

         O Velho Zé Lobo, como se tornou amplamente conhecido, fundou, no Ceará, a Legião da Cruz, e tornou-se, até a sua morte, o seu líder consumado. Levou a causa de Juazeiro ao Rio de Janeiro e depois a Roma, sendo ali o advogado do Padre Cícero, junto ao Tribunal das Santas Inquisições, residindo, inclusive, com o sacerdote, na Cidade Eterna, durante oito meses, aproximadamente.

         Viajou para Roma, pela primeira vez, em setembro de 1896, ali protocolando, junto ao Santo Ofício, a defesa do seu constituinte, que seria, no entanto, condenado, em 10 de fevereiro de 1897.

         Esteve uma segunda vez em Roma, segundo Joaryvar Macedo, mas é certo que voltou ao Vaticano, pela terceira vez, em março de 1898, a chamado do Padre Cícero Romão, que a ele tudo confiava, permanecendo em Roma até outubro do referido ano, quando regressou ao Brasil, portando uma das maiores vitórias que um advogado poderia obter junto a um Tribunal Internacional.

         Desembarcou em Juazeiro, provavelmente acompanhado pelo Padre Cícero, no final de outubro de 1898, carregando milhares de cruzes de madeira que afirmava terem sido bentas pelo Papa, em favor da causa que havia defendido. Um político muito astucioso, com certeza, e um advogado muito habilidoso que deu muitas dores de cabeça ao Bispo Dom Joaquim e à cúpula da Igreja Católica cearense.

         Em Juazeiro, edificou uma sólida residência, que durante décadas foi a Casa Forte da difusão dos milagres atribuídos à beata Maria de Araújo para todo o Nordeste, tendo ali adquirido o sítio Logradouro, nas proximidades da cidade santa. Contudo, indispondo-se com Floro Bartolomeu e sentindo-se rejeitado pelo Padre Cícero, mudou-se para Lavras da Mangabeira em 1914, ali permanecendo até 1916, quando o Padre Cícero, “tomando conhecimento das suas dificuldades, mandou buscá-lo para Juazeiro”.

          Com relação a Zé Lobo, não é justa, portanto, a pecha de ignorante com que foi apresentado junto ao Vaticano, pelo Núncio Apostólico do Brasil, pois não podemos presumir que um antigo jornalista e professor, vereador e promotor de justiça, na terra de Dona Fideralina e dos Augustos, navegando nas hostes da oposição, fosse alguém desprovido de atributos no plano da cultura.

          Cognominado O Lobo de Juazeiro, pelo Santo Ofício, e largamente acusado de haver abarrotado o Óbolo de São Pedro de moedas e não de argumentos lógicos em prol da sua causa, era o Velho José Lobo uma figura de chamar a atenção, segundo Lira Neto, no seu livro Padre Cícero – Poder, Fé e Guerra no Sertão (São Paulo: Companhia das Letras, 2009), que o descreve vestido de “terno preto, fitas coloridas e medalhinhas religiosas pregadas na lapela”. E acrescenta: “Uma espécie de beato de paletó e gravata, dono de sólido patrimônio”.

        Um Zé Lobo, portanto, muito diferente daquele que conheço das referências que ouvi na minha meninice, em Lavras da Mangabeira, e que apontavam para a última fase da sua existência, em que restava apenas o coronel decadente, vivendo a expensas da família, no glorioso Sítio Calabaço, onde se guardava, até a década de 1970, uma velha arca de couro que a ele teria pertencido, e que o acompanhou nas suas viagens à Europa.


       O próspero fazendeiro José Joaquim de Maria Lobo, segundo Ralph Della Ralph, no seu livro Milagre em Joazeiro (Rio: Editora Paz e Terra, 1976), teria sido o arquiteto e o arauto maior de Juazeiro, não se justificando, assim, que os historiadores do Cariri ou do Nordeste tenham esquecido o seu nome, a contar do seu sobrinho Joaryvar Macedo, que tanto reclamou sobre o assunto.

       As terras das quais era senhor, no Sítio Calabaço, em Lavras da Mangabeira, pertenceram inicialmente ao seu pai, o capitão João Lobo de Macedo, que exerceu domínios sobre o engenho e a casa-grande do sítio Calabaço, em cuja alcova vim ao mundo, em 1956.

        As suas propriedades, em Lavras da Mangabeira, Juazeiro, Alagoinha e em Cajazeiras, na Paraíba, facilmente se dilapidaram na fase em que a mística e o fanatismo religioso tomaram o lugar da sua alma, tendo as suas terras no sítio Calabaço sido compradas pelo seu irmão, o capitão Joaquim Lobo de Macedo, que foi o provedor das suas necessidades financeiras na época da velhice, auxiliado pelo Padre Cícero.

       As terras que circundavam o sítio Calabaço – no caso, a Água Fria, o Junco, o Barro Banco, o Pau d’Arco e o Baixo –, constituíam, na adolescência e ainda na velhice de Zé Lobo, um núcleo de poder patriarcal, econômico e social de grande efervescência, sendo justo, portanto, o afirmar-se ser o filho do capitão João Lobo, um produto do sistema latifundiário, no município de Lavras.

          Os biógrafos do Padre Cícero e os intérpretes da região do Cariri costumam registrar que o fundador de Juazeiro teve duas grandes orientações: a do Velho Zé Lobo, na sua fase mística e de oblação espiritual; e a de Floro Bartolomeu, na sua fase predominantemente política.

          Floro Bartolomeu, como é sabido, esmagou a influência de Zé Lobo sobre o sacerdote e levou o líder da Legião da Cruz à mais espantosa miséria e à sua total exclusão da vida social, de forma que o mesmo veio a ser socorrido pelo seu irmão, o capitão Joaquim Lobo de Macedo, que o levou de volta para o seio de sua parentela, reconciliando-o com a sua família e com os seus conterrâneos, tanto na cidade de Lavras, quanto no sítio Calabaço.

         O Velho José Lobo, no entanto, já não era o mesmo, havia ido longe demais, e sua antiga tradição, na Terra dos Augustos, também tinha mudado de lugar. Finalmente, vítima da gripe espanhola, conhecida como A Bailarina, veio a falecer, em Juazeiro do Norte, em 1918.   
           
        A lavrense Mariana Alves Bezerra (Naninha), depois, Mariana Alves de Macedo, com quem foi consorciado, era filha de Glória Alves Bezerra (Glorinha) e de Raimundo Correia Lima (Raimundo Gordo).

       Uma de suas filhas, Raimunda Senhorinha de Macedo (Mundinha), tornou-se legionária e beata em Juazeiro do Norte; a outra, Maria da Glória de Macedo (Mariinha), casou-se com Aristides Ferreira de Menezes, contando-se entre os seus netos, o romancista Durval Aires, da Academia Cearense de Letras.

        Dos seus artigos publicados em jornais, e assim dos seus escritos inéditos, muito se valeu Irineu Pinheiro para escrever a história de Juazeiro do Norte e do Cariri. E da sua decisão de propagar Juazeiro, para além do Vaticano e da Igreja Católica do Brasil, muito ainda terá que depender a reabilitação do nosso grande taumaturgo.

        Falta-lhe, no entanto, um biógrafo ou talvez um intérprete que o coloque, noventa e cinco anos após a sua morte, na sua devida projeção, pois sem a sua causa, a sua valentia e sua cultura de advogado e jornalista, Juazeiro talvez não tivesse o status que hoje tem no Vaticano.           


                                                                                          Fortaleza, novembro de 2018