Toda ciência tem por pressuposto a abordagem
de determinada realidade ou o questionamento de certos objetos, encontrados na
Natureza ou formulados pela Cultura. A Ciência do Direito posiciona-se no grupo
das ciências da Cultura, pois tem por objeto a investigação do fenômeno
jurídico, que é constituído pela junção destes elementos: fato, valor e norma.
Estes elementos, facilmente
encontrados no sociedade e nas interações da vida social, e facilmente
identificados como de procedência cultural, reunidos ou isoladamente, informam
o suporte de existência do Direito, quando se referem a valores que interessam
ao sistema jurídico de caráter normativo.
De plano, eles não constituem propriamente
Ciência, mas objetos de especulação científica, esclarecendo-se aqui que a
Ciência Jurídica tem um objeto, o qual, seria o próprio Direito. Como toda
ciência, pois, a Ciência do Direito teria uma especificidade.
E quando falamos em especificidade da Ciência
Jurídica, queremos nos referir àquilo que é próprio ou constitui a essência do
seu objeto, no caso, o Direito Positivo, que é o conjunto sistematizado de
normas jurídicas vigentes em determinado Estado.
Tendo-se presente o
pressuposto da norma, podemos estudar o seu enunciado e as suas consequências
em face da Ciência do Direito, porém observando-se, em tudo, que aquilo que
chamamos de Direito, enquanto dimensão valorativa, é estudado pela Filosofia
Jurídica, e, enquanto fato social, pela Sociologia Jurídica.
Contudo, não é por acaso que chegamos à
compreensão dessa realidade. Para descobrir o objeto de uma Ciência, necessário
se faz que escolhamos um caminho a ser percorrido, isto é, um método próprio de
investigação do conhecimento que buscamos assimilar.
Tércio Sampaio Ferraz Jr., no seu livro A Ciência do Direito (São Paulo: Atlas,
1977), chama a atenção para o fato de que a Ciência Jurídica não é unívoca na
percepção do seu objeto. A Ciência Jurídica, portanto, prescinde de várias
elementos científicos e de pesquisas capazes de moldar a sua natureza.
Se navegarmos pelos campos do
existencialismo, do culturalismo ou do humanismo filosófico, atinentes ao mundo
do Direito, iremos encontrar, no Brasil, outras fontes de pesquisa que primam
pelo rigor do método e do embasamento hermenêutico da pesquisa jurídica, tais
os casos de Luiz Fernando Coelho, com a sua Teoria
da Ciência do Direito (São Paulo: Saraiva, 1974), e de Nelson Saldanha, com
a sua atividade incessante de pensador.
O estudo científico do Direito também
encontrou acolhida, entre nós, na obra de Miguel Reale, Gofredo Telles Júnior e
Maria Helena Diniz, isto sem levar em conta as contribuições de Hermes Lima, Djacir
Menezes e Daniel Coelho de Souza e os faróis que foram acendidos ainda no
século dezenove pela obra de Tobias Barreto.
Na sua Teoria
da Ciência Jurídica (São Paulo: Saraiva, 1975), Machado Neto apresenta-nos
o método como sendo “um pressuposto de que há de se achar armado o cientista
quando parte para a investigação do aspecto da realidade que cabe à sua ciência
tematizar e dominar”.
Para Raimundo Bezerra Falcão (in
“O Método na Elaboração de Normas Jurídicas”,1984),
“Toda ciência tem um campo para o qual se volta, ou um prisma sob o qual vê a
realidade. Em ambos os casos, tem-se o objeto da Ciência. A possessão dessa
realidade, que vai permitir a formulação de leis de causa e efeito, é
perseguida dentro de determinados parâmetros de raciocínio, obedientes a certas
técnicas de trabalho e de busca da verdade, imunes a valorizações que possam
comprometer os resultados, já que não é razoável predicar-se total isenção
axiológica, mormente no que toca às Ciências Sociais”.
O método, para esse grande jurista, “é o
caminho que enseja a aquisição do conhecimento e do saber, relativamente ao
objeto de uma ciência”. E nesse sentido, também nos parece pertinente o livro A Ciência do Direito (Rio: Forense,
1982), de Agostinho Marques Ramalho Neto, que se volta para o método, desde
as Ciências Sociais, como elemento indispensável da pesquisa jurídica.
Esclarecemos,
aqui, que ela deve ser compreendida desde a sua visão pela teoria kelseniana,
levando-se em conta o Direito Positivo como conjunto sistematizado de normas e
a Teoria do Direito como Teoria da Norma Jurídica, cuja natureza e
características aqui não nos cabe abordar, pois o que pretendemos estudar é a
norma como linguagem valorada e técnica de decisão em face do sistema jurídico.
O que nos interessa é a norma na sua postura
de ser a manifestação mais visível do Direito, e de congregar, na sua
aplicação, o estádio último da sua validade, ainda porque, como nos adverte
Luiz Fernando Coelho, em Lógica Jurídica
e Interpretação das Leis (Rio: Forense, 1981), “a Juridicidade da norma
consiste em ser ela o repositório, a objetivação fenomenizada de todos os fatos
onde se manifesta a criatividade intencional e necessária do homem socialmente
dimensionado”.
Apesar da especulação filosófica ter
reconhecido, desde o início da História, que o objeto do Direito é, em parte,
existencial e, em outra dimensão, formal, material ou transcendente, quase
sempre ela se valeu de alguma metodologia para explicar as suas conclusões. Ela
nunca pode dissociar o fato da existência da norma, e não lhe foi possível,
também, separar a norma do valor.
O
fato, quando não valorado pela norma, não expressa Direito. Pode interessar ao
estudo da Sociologia, mas pouco importa para a Teoria do Direito. Da mesma
forma, se diga com relação ao valor, que, enquanto valor, interessa unicamente
ao estudo da Filosofia.
A norma resulta do fato, mas o fato não
contém a norma, a qual sempre se refere a uma conduta, na mesma proporção em
que expressa um valor, projetando-se como o elemento máximo do universo
jurídico; máximo e plenamente capaz de dar à Ciência do Direito o objeto
necessário à sua autonomia.
Nesse sentido, não há como fugir da Teoria Pura do Direito (4ª ed. Lisboa: Armênio Amado Editor,
1979), de Hans Kelsen, ainda porque, como adverte Hugo de Brito Machado
(Fortaleza, 1983), “a teoria
Kelseniana efetivamente oferece explicação para as mais diversas questões
jurídicas. Por outro lado, delimitando o conhecimento do direito em face de
disciplinas com as quais guarda este estreita conexão, evita um sincretismo
metodológico que obscurece a essência da Ciência Jurídica e dilui os limites
que lhe são impostos pela natureza do seu objeto”.
No seu livro Introdução à Ciência do Direito (2ª ed. Rio: FGV, 1975), Daniel
Coelho de Souza advoga que o estudioso do Direito deveria partir da análise da
realidade histórico-social para, “por comparação e indução, alçar-se aos
conceitos”. Para este filósofo do Direito, a primordial característica do
jurista seria a sua subordinação ao método científico. E acrescenta: “ao
jurista competiria observar as instituições, determinar as suas afinidades,
assinalar as suas relações permanentes, e, finalmente, por indução, alcançar as
respectivas noções gerais”.
A
problemática que envolve a Ciência do Direito, como se observa, constitui uma
questão metodológica. E toda pesquisa jurídica que venha a se realizar fora de
um rigor metodológico, pode ser conhecimento jurídico, porém nunca será Ciência
do Direito; pode nos conduzir à teoria da norma, mas não nos oferecerá a norma
como afirmação da realidade jurídica.
Bibliografia
COELHO,
Luiz Fernando. Teoria da Ciência do
Direito. São Paulo: Saraiva, 1974.
COELHO,
Luiz Fernando Coelho. Lógica Jurídica e
Interpretação das Leis. Rio: Forense,1981.
FERRAZ
JR., Tércio Sampaio. A Ciência do Direito.
São Paulo: Atlas, 1977.
KELSEN,
Hans. Teoria Pura do Direito, 4ª ed.
Lisboa: Armênio Amado Editor,1979.
MACHADO
NETO, L. A. Teoria da Ciência Jurídica. São
Paulo: Saraiva, 1975.
RAMALHO NETO, Agostinho Marques. A Ciência do Direito. Rio: Forense,
1982.
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