Pré-leitura do livro Trinta Navios, de Dimas Macedo
O Autor
Dimas Macedo é poeta, jurista e crítico literário. Professor da UFC.
A Publicação
O livro Trinta
Navios, de autoria de Dimas Macedo, foi lançado em 2021, pela editora Sarau
das Letras, com 184 páginas, prefácio de Ítalo Gurgel, orelhas de Edmilson
Caminha.
Nas palavras do prefaciador Ítalo Gurgel
— Dimas Macedo confessa com sincero fervor: ser escritor é uma necessidade
que o impede de “morrer a cada momento”. Há mais de 40 anos, esse estro vital o
tem levado a lançar ao mar da literatura dezenas de embarcações de longo curso,
que hoje transitam pelas caudalosas correntes da poesia, da crônica, do conto,
do memorialismo, do ensaio literário.
Curtas
“Sente frio, às vezes, quando a literatura
não se faz sua companheira, quando o amor que sente pelo próximo não borbulha
no seu coração, ou quando não promove o intercâmbio cultural, utilizando para
isso, as páginas do jornal O Nheçuano.
“Chovemos de alegria quando a palavra renasce, ou
quando o sol se apresenta na nossa janela, anunciando a chegada do novo. A lua
clareia o nosso esquecimento e a chuva nos redime diante da memória,
refletindo, em nós, a incerteza dos nossos idiomas.
“É como se o mapa-múndi fosse povoado de saudades e
lembranças que se gravam nos recessos do sonho. É como se o Reno, o Tâmisa e o
Sena refletissem a brisa serena do Salgado, o mais doce dos rios, que os meus
olhos não se cansam de ver.
“Os historiadores não imaginam os fatos; mas quando
são, igualmente, criadores, aí, sim, lhes é permitido imaginar a sua obra
literária. Coisa rara, na história, tem sido a existência de historiadores que
foram também criadores.
“Separei-me da crítica, sim, mas para viver com a
proposta pregada pelo Clauder Arcanjo: separações plurais, separações sem fim,
porque, leitores, o casamento entre pessoas jamais existiu, e porque a vida é
uma separação entre o que existe e aquilo que nunca se tornou possível.
“O estilo literário de Alder Teixeira afasta-se do
jargão acadêmico, prima pela correção do texto e pela poética da sua alocução e
do seu viés comunicativo, instâncias nas quais a literatura e o cinema aparecem
como pano de fundo.
“Se Antônio Sales é o melhor escritor cearense, nos
domínios da expressão estética e na agitação da cena literária; Jáder de
Carvalho seria o grande intelectual do Ceará, especialmente, como sociólogo e
jornalista, mas também como poeta, que se destaca por sua militância política,
rara e desenvolta, dentre aqueles que elegeram a Rua e a Praça como tribunas de
suas trajetórias.
Bons Momentos
“O norte magnético deste grande vate é constituído
pela rebeldia e pela poética da dor e do espanto. Todos os instintos, uivos e
clamores do corpo e da palavra, pulsam nos poemas reunidos no seu novo livro.
Mas, no seu conjunto, a sua poesia parece toda ela escrita com o sangue,
tornando-se o autor um arquiteto das formas com as quais reinventa as suas
criações.
“A civilização do Médio Salgado, no sul do Ceará,
deu ao Nordeste uma das suas maiores oligarquias, cujo apogeu efetivou-se com o
domínio de Dona Fideralina Augusto, que sempre se manteve no poder utilizando
os velhos bacamartes e os eflúvios da sua inteligência. A despeito dos
conflitos e sobressaltos com os quais se envolveu, especialmente no campo da
política, nada foi maior, na sua vida, do que a decisão de invadir a vila de
Princesa, no Estado da Paraíba, para vingar a morte do seu neto Ildefonso
Augusto, em 1902.
“A busca do tempo compreende muitos regressos e
avanços. No universo, nada me parece mais circular do que esta equação. O tempo
existe para nos entreter. E quanto mais nos afastamos do presente, menos
dolorida será a nossa sensação de perda, e muito mais prazerosa será a nossa
satisfação. Daí a busca do tempo melhor, aquele que reluz na demão do passado,
que nos faz reviver a infância e que nos leva a pensar o quanto aquilo que
perdemos é essencial para nós, e o quanto aquilo que ganhamos pode implicar a
nossa negação.
“Tenho consultado críticos de renome, como Vera
Oliveira e Dias da Silva, mas eles apenas me confundem. Dizem que a crítica não
existe e que sou um visionário em busca de uma mãe, e que a ausência que
sentimos da mãe, transforma-se num princípio de dissolução que nos leva para a
criação da arte. Citaram Freud e depois Montaigne, Ulisses e Guy de Maupassant.
Pediram-me os escritores Sânzio de Azevedo e o Batista de Lima que eu rezasse
pensando na alma de Araripe Júnior, de Antônio Candido ou de Braga Montenegro,
e que fosse até Belo Horizonte e colhesse com o Fábio Lucas alguma sugestão
para continuar escrevendo, mesmo diante da morte da crítica e do ensaio.
“A inquietação existencial e cosmológica, as
figuras lendárias da política de Lavras da Mangabeira, as histórias contadas
por minha mãe, o rumor das águas do Salgado que passava próximo à nossa casa, a
mania que eu tinha de contar as estrelas em noites de muita claridade, a
vontade que eu tinha de fugir do drama que eu via prosperando na minha família,
o sino que plangia diariamente na torre da Igreja de Lavras, a teimosia em
aceitar os limites da educação formal que me era imposta pelos meus pais, o
medo de morrer de forma inesperada, assim como todas as crianças que partiam e
cujos enterros passavam pela minha rua, marcando a minha voz e o meu jeito de
ser com as suas despedidas.
“Fico estarrecido ao perceber o quanto esse poema
responde às questões referentes à arte e ao significado da linguagem. Aos vinte
e dois anos, quando escrevi esse poema, eu já me encontrava atravessado pelas
interrogações do devir e da poesia enquanto pressuposto da minha existência e
do ser existencial para a morte. Eu já sabia que estava condenado a escrever e
a repetir o sacrifício de Sísifo como alternativa para as minhas crenças,
sonhos e valores, em busca de uma resposta para as minhas dúvidas.
“Como cristão e poeta, atravesso estes tempos
extremos que estamos vivendo como se fosse a ostra em seu enfrentamento com o
vento, como se fosse o rumor que, às vezes, se funde com a concha e com ela se
recolhe no sopro sublime da paixão. Sei que a vida é uma Graça, e que, a cada
dia, eu a desfruto com a beleza que Deus nos confiou, e com os dons e os
talentos que ele conferiu à minha inquietude: branda, como as águas serenas de
um rio, mas incompreendida, às vezes, por aqueles que não aceitam a minha
liberdade.