terça-feira, 28 de maio de 2019

Demócrito Rocha - A Liberdade Como Vocação

                                 
           Dimas Macedo


            O nome de Paulo Bonavides representa uma clarividência no que tange à interpretação do nosso comportamento social e político. Preocupado com a abordagem crítica da nossa realidade, esse jurista vem surpreendendo com a revelação de teses e estudos de reconhecido valor, em torno do Direito Constitucional e das questões atinentes à Teoria do Estado.

            Demócrito Rocha – Uma Vocação Para a Liberdade (Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 3ª ed., 2009), de Paulo Bonavides, é bem uma amostra da permanente inspiração da sua inteligência, sem deixar de ser, igualmente, uma tentativa de assimilação do contexto político que cimentou, entre nós, as raízes do Estado Social.

           Nesse livro instigante do grande cientista político cearense, a figura destemida e ousada de Demócrito Rocha adquire, com certeza, a sua mais perfeita expressão.

           Expondo, inicialmente, a sua visão de hermeneuta acerca do discurso poético de Demócrito Rocha, Paulo Bonavides provoca o nosso sentimento, ao fazer estas afirmações: “os poetas às vezes são sensores sociais mais percucientes que os sociólogos e os cientistas do Estado. Possuem não raro uma sensibilidade intuitiva tão aguda que lhes consente condensar em algumas estrofes mais verdade e compreensão da vida que os doutores da sociedade em seus compêndios e tratados”.

            Mas o que efetivamente interessa extrair das páginas de Demócrito Rocha – Uma Vocação Para a Liberdade é a visão panorâmica que o autor oferece em torno da agitação e do caldo de cultura que fermentaram a década de 1930 no Ceará. Um momento rico de conflitos e tergiversações, de violências verbais inadmissíveis e de cenários opressivos e ameaçadores.

            Nessa ambiência, como assegura Paulo Bonavides, é que se forja a bravura que tempera o comportamento e as atitudes de Demócrito Rocha. É nesse contexto de turbulências que Demócrito Rocha desenvolve a sua vocação de jornalista e a sua ação parlamentar, combatendo a intolerância do integralismo e pugnando pela defesa dos interesses regionais.

          A paixão de ordem cultural, nesse livro de Paulo Bonavides, revela-se como em nenhum outro momento da produção teórica do autor. Constitucionalista e cientista político de renome, Bonavides iniciou a sua trajetória como jornalista, lutou pela afirmação da sua classe e é, no Ceará, um dos homens de maior destaque da sua geração.

          Estilista primoroso e arquiteto de uma refinada poética do ensaio, no início da sua militância, inclinou-se Paulo Bonavides à construção da crônica e do ensaio, e da reportagem internacional.

          Na década de 1950, enveredou pela Filosofia do Estado e, no período seguinte, consolidou o seu nome como pioneiro da Ciência Política no Brasil. O constitucionalista levantaria voos de agilidade e equilíbrio durante a década de 1970, fazendo-se ele, depois, o biógrafo que o Ceará agora reconhece.

          As marcas de Demócrito Rocha e a sua coragem estão na criação do jornal O Povo, em 1928, na atuação parlamentar que exerceu na década de 1930, na sua incontestável militância, no campo da ética e da dignidade, e no seu indiscutível talento de poeta.

         O seu poema "O Jaguaribe é Uma Artéria Aberta", feito de afogadilho para fechar um espaço no jornal que fundou e sempre dirigiu, é um dos momentos mais altos da poesia cearense e me parece um ato de redenção e de vigor ufanista de todo o Ceará.

         De tudo isso nos dá a sua versão Paulo Bonavides, mas a contextualização de Demócrito Rocha e o seu entorno social e político, é o que o autor de A Crise Política Brasileira (1969) deixa transparecer com as melhores tintas, mostrando-nos, à saciedade, o domínio da sua vocação de escritor.

          Autor de Universidades da América (1948), O Tempo e os Homens (1952), Dos Fins do Estado (1955), Do Estado Liberal ao Estado Social (1958), Teoria do Estado (1967), Ciência Política (1967), A Crise Política Brasileira (1969), Reflexões: Política e Direito (1973), Textos Políticos da História do Brasil (1975), Direito Constitucional (1980), Política e Constituição (1985) e Constituinte e Constituição (1986) – livros que inovaram, entre nós, a metodologia e o conteúdo desses importantes campos de pesquisa –, Paulo Bonavides tinha tudo para ser, de fato e por legitimidade, o biógrafo de Demócrito Rocha e o guardião da sua memória cultural.

           Mas o que importa destacar, acerca do escorço biográfico de Demócrito Rocha, é a continuidade de duas tradições: a do pensamento e do esforço teórico de Paulo Bonavides; e a do exemplo de Demócrito Rocha como jornalista e cidadão.

            Dessa forma, me parece memorável a contribuição de Paulo Bonavides no sentido da documentação da sua atribulada existência de homem público e de agitador de progressistas ideias culturais, especialmente, porque o poeta, nessa biografia, ombreia-se com o homem, e o jornalista, não se faz menor que o político.

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