O nome de Paulo
Bonavides representa uma clarividência no que tange à interpretação do nosso
comportamento social e político. Preocupado com a abordagem crítica da nossa
realidade, esse jurista vem surpreendendo com a revelação de teses e estudos de
reconhecido valor, em torno do Direito Constitucional e das questões atinentes
à Teoria do Estado.
Demócrito Rocha – Uma
Vocação Para a Liberdade (Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 3ª ed.,
2009), de Paulo Bonavides, é bem uma amostra da permanente inspiração da sua inteligência,
sem deixar de ser, igualmente, uma tentativa de assimilação do contexto político
que cimentou, entre nós, as raízes do Estado Social.
Nesse livro instigante
do grande cientista político cearense, a figura destemida e ousada de Demócrito
Rocha adquire, com certeza, a sua mais perfeita expressão.
Expondo, inicialmente,
a sua visão de hermeneuta acerca do discurso poético de Demócrito Rocha, Paulo
Bonavides provoca o nosso sentimento, ao fazer estas afirmações: “os poetas às
vezes são sensores sociais mais percucientes que os sociólogos e os cientistas
do Estado. Possuem não raro uma sensibilidade intuitiva tão aguda que lhes
consente condensar em algumas estrofes mais verdade e compreensão da vida que
os doutores da sociedade em seus compêndios e tratados”.
Mas o que efetivamente
interessa extrair das páginas de Demócrito Rocha – Uma Vocação Para a
Liberdade é a visão panorâmica que o autor oferece em torno da agitação e
do caldo de cultura que fermentaram a década de 1930 no Ceará. Um momento rico
de conflitos e tergiversações, de violências verbais inadmissíveis e de
cenários opressivos e ameaçadores.
Nessa ambiência, como
assegura Paulo Bonavides, é que se forja a bravura que tempera o comportamento e
as atitudes de Demócrito Rocha. É nesse contexto de turbulências que Demócrito
Rocha desenvolve a sua vocação de jornalista e a sua ação parlamentar,
combatendo a intolerância do integralismo e pugnando pela defesa dos interesses
regionais.
A paixão de ordem
cultural, nesse livro de Paulo Bonavides, revela-se como em nenhum outro
momento da produção teórica do autor. Constitucionalista e cientista político
de renome, Bonavides iniciou a sua trajetória como jornalista, lutou pela
afirmação da sua classe e é, no Ceará, um dos homens de maior destaque da sua
geração.
Estilista primoroso e
arquiteto de uma refinada poética do ensaio, no início da sua militância, inclinou-se Paulo Bonavides à construção da crônica e
do ensaio, e da reportagem internacional.
Na década de 1950,
enveredou pela Filosofia do Estado e, no período seguinte, consolidou o seu
nome como pioneiro da Ciência Política no Brasil. O constitucionalista
levantaria voos de agilidade e equilíbrio durante a década de 1970, fazendo-se
ele, depois, o biógrafo que o Ceará agora reconhece.
As marcas de Demócrito
Rocha e a sua coragem estão na criação do jornal O Povo, em 1928, na
atuação parlamentar que exerceu na década de 1930, na sua incontestável
militância, no campo da ética e da dignidade, e no seu indiscutível talento de
poeta.
O seu poema "O Jaguaribe é Uma Artéria
Aberta", feito de afogadilho para fechar um espaço no jornal que fundou e
sempre dirigiu, é um dos momentos mais altos da poesia cearense e me parece um
ato de redenção e de vigor ufanista de todo o Ceará.
De tudo isso nos dá a sua versão Paulo
Bonavides, mas a contextualização de Demócrito Rocha e o seu entorno social e
político, é o que o autor de A Crise Política Brasileira (1969) deixa
transparecer com as melhores tintas, mostrando-nos, à saciedade, o domínio da
sua vocação de escritor.
Autor de Universidades da América (1948),
O Tempo e os Homens (1952), Dos Fins do Estado (1955), Do
Estado Liberal ao Estado Social (1958), Teoria do Estado (1967), Ciência
Política (1967), A Crise Política Brasileira (1969), Reflexões:
Política e Direito (1973), Textos Políticos da História do Brasil (1975),
Direito Constitucional (1980), Política e Constituição (1985) e Constituinte
e Constituição (1986) – livros que inovaram, entre nós, a metodologia e o
conteúdo desses importantes campos de pesquisa –, Paulo Bonavides tinha tudo
para ser, de fato e por legitimidade, o biógrafo de Demócrito Rocha e o
guardião da sua memória cultural.
Mas o que importa destacar, acerca do escorço
biográfico de Demócrito Rocha, é a continuidade de duas tradições: a do
pensamento e do esforço teórico de Paulo Bonavides; e a do exemplo de Demócrito
Rocha como jornalista e cidadão.
Dessa forma, me parece memorável a
contribuição de Paulo Bonavides no sentido da documentação da sua atribulada
existência de homem público e de agitador de progressistas ideias culturais,
especialmente, porque o poeta, nessa biografia, ombreia-se com o homem, e o
jornalista, não se faz menor que o político.
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