Geraldo Jesuíno – Em A Distância de Todas as Coisas (1980) você lavra, como quem entalha na alma, o poema “Versos Dissolutos”. Registrou-se ali a sua carta de intenções diante da vida e da poesia?
Dimas Macedo – “Versos Dissolutos” é, indiscutivelmente,
uma carta de intenções diante da vida e da poesia. A sua pergunta repercute em
mim como um espanto. Fico estarrecido ao perceber o quanto esse poema responde
às questões referentes à arte e ao significado da linguagem. Aos vinte e dois
anos, quando escrevi esse poema, eu já me encontrava atravessado pelas
interrogações do devir e da poesia enquanto pressuposto da minha existência e
do ser existencial para a morte. Eu já sabia que estava condenado a escrever e
a repetir o sacrifício de Sísifo como alternativa para as minhas crenças,
sonhos e valores, em busca de uma resposta para as minhas dúvidas.
Jesuíno – No poema
“Ofício” de Estrela de Pedra (1994),
enquanto reafirma a sua devoção
à poesia, você revela ingredientes que marcariam o seu fazer poético. Desvario ou, ali, o poeta já detinha na consciência
o espaço do seu devir?
Dimas – Entre 1980
e 1994, decorreu o tempo do meu aprendizado mais sólido como poeta e leitor de
poesia. Também nesse período, ocorre
a minha maturidade como crítico literário. A
Distância de Todas as Coisas, de 1980, assegurou o meu ingresso na
literatura e, em 1994, Estrela de Pedra confirmou
a minha permanência nesse campo. O poema “Ofício” compreende, talvez, a síntese de todas as minhas
intenções. Não creio que aí se tenha registrado
um desvario, mas a confissão de uma dor que constitui a matéria-prima da minha
atividade de poeta, tão bem captada por Paulo de Tarso Pardal no seu ensaio instigante “Dimas Macedo
e a Poética da Dor”, cuja leitura recomendo
para os meus leitores, ao lado do artigo de Batista de Lima “A Distância de Todos os Dimas”
Jesuíno –
O poema “Claridade”de Liturgia
do Caos (1996) é um dos tantos escritos seus, marcados pela
corrente filosófica Heideggeriana. Seria justo afirmar
que a sua poesia caminha de braços dados
com os ideais literários de
Albert Camus?
Dimas – Em primeiro lugar, ponho-me
diante da filosofia do ser e da filosofia da linguagem, com as quais estou
totalmente de acordo. Como existencialista, me devotei, desde cedo, à leitura
dos escritos filosóficos de Sartre e Albert Camus, mas a paixão que em mim se
foi consolidando, diz respeito à obra literária deste último, de quem sou
devoto e leitor obstinado. Interesso-me não apenas pela sua escritura, mas
pelos seus ideais, pelo seu sentido de integridade e de liberdade do homem
diante dos percalços da vida. Na Carta
Sobre o Humanismo, de Heidegger, e nas páginas monumentais de Sartre em O Existencialismo é um Humanismo,
encontrei a minha plataforma filosófica, mas foi a obra de Albert Camus que
tomei como norte para seguir adiante como esteta da literatura. Os ideais de
Albert Camus são literários e libertários e não é à toa que ele é o autor de
livro de bolso mais lido pelos jovens, nos países onde a sua obra foi
traduzida. Ponho em revelo, também, o teatrólogo e o pensador Albert Camus,
trazendo à discussão livros como O Mito
de Sísifo e O Homem Revoltado.
Jesuíno – O
poema “Jangurussu” de Vozes do
Silêncio (2003), ao modo dos condoreiros, abre um compartimento
na sua temática poética marcadamente existencialista. Influência do Dimas
Macedo jurista ou natural sentimento cristão?
Dimas – Sentimento
cristão e influência do jurista. Nunca me aferrei à letra fria da lei, mas à
sua essência, especialmente, aquela que postula a justiça material e a
igualdade. Apesar de ser um operador do Direito, nunca me deixei iludir pela
retórica do Estado e das suas autoridades. A minha produção de jurista e a
minha atividade de professor aí estão como testemunhos de que sempre andei na
contramão, buscando, com os meus alunos, o Direito achado nas ruas e o Direito
desprezado pelos tribunais quando das suas decisões em favor dos detentores do
poder. “Jangurussu” é um dos meus poemas favoritos. Integra os meus poemas de
fala insubmissa, reunidos, em sua maioria, em Lavoura Úmida (1990), livro que foi estudado por Rodrigo
Marques no ensaio “Poesia Insubmissa”.
Jesuíno – Há uma
tendência erótica em inúmeros poemas da sua obra, como em
“Nervos” do livro O Rumor e a Concha (2009). Inclinação à
poesia erótica ou
aclamação ao
amor e à liberdade?
Dimas – Aclamação ao amor e à
liberdade, num primeiro plano, e inclinação à poesia erótica, que é, talvez, o
traço mais distintivo e mais expressivo da minha produção. Sinto-me,
continuadamente, provocado pela magia de Eros e pelas suas insinuações, talvez
porque Eros ande sempre de mãos dadas com Tanatos, um dos fundamentos da minha
evocação no campo da linguagem. “Poética”, um dos poemas do meu livro Liturgia do Caos (1996, 2ª ed.
2016), compreende o meu elogio a Tanatos enquanto força criativa da arte e
simetria da minha liberdade. A palavra escrita como casa do ser, e a linguagem
poética como cosmovisão da existência, são coisas que fascinam o meu trabalho
com a poesia e a filosofia. Vivo sempre A
Caminho da Linguagm, para aqui me valer do título de um dos livros de
Heidegger, o filósofo para o qual sempre volto, por ser ele o maior
reconstrutor da filosofia, após a sua demolição pela obra de Nietzsche.
Jesuíno – Poeta, o poema “Oblívio” do livro Liturgia do Caos (1996) desenha quanto do
seu universo de “ser” e de “poeta”?
Dimas – No plano simbólico e também
enquanto construção alegórica, esse poema corresponde a cem por cento daquilo
que eu poderia aspirar como poeta, lembrando, aqui, que um dos versos desse
poema teve a sua escansão e o seu sentido existencial sugeridos por uma
provocação da sua parte, o que tornou o poema mais universal e consistente. Se
tivesse que escolher cinco dos meus melhores poemas, “Oblívio” estaria entre
eles.
Jesuíno – Quem conhece
Dimas Macedo não se espanta com o respeito e a paixão com os quais abraça e
ampara, sem rodeios ou dissimulações, os seus poetas, estetas, amigos do peito,
aqui invocando as “Décimas a Alcides Pinto” do livro A Face do Enigma (2002). Cria um
laço que foge do limite da razão. Então aí, poeta, você é mestre ou aprendiz,
protetor ou protegido, padrinho ou afilhado fiel?
Dimas – Sempre me foram gratificantes as
minhas amizades com poetas, estetas e com os grandes criadores da literatura, a
exemplo de Gerardo Mello Mourão. Dessas criaturas eu me sinto apenas aprendiz.
No caso de Alcides Pinto, a coisa toma um vulto singular. Amigo e mestre
exemplar de estética literária, com ele aprendi a técnica da contenção de
linguagem e a arte da claridade do texto. Lendo Graciliano Ramos, compreendi
que a palavra não foi feita para enfeitar o texto, mas para dizer. A minha
convivência com os clássicos começou muito cedo. Quando publiquei o meu
primeiro livro, A Distância de Todas
as Coisas (1980), eu já tinha lido a poesia de Fernando Pessoa e
Ferreira Gullar, os poetas que mais admiro e com os quais me identifico, ao
lado de Manuel Bandeira.
Jesuíno – Poeta do Salgado, você fez o poema “Martelo”, incluído em {Codícirio} (2018), em redondilha maior num bom estilo
cordel, geralmente não muito benquisto nas rodas acadêmicas. Você não tem medo
de poesia regional?
Dimas – Mestre Jesuíno, acho que você quis
dizer poesia popular, quando falou em poesia regional, que é, no entanto, uma
das suas facetas. A poesia universal, no seu sentido clássico, sempre teve o
seu tônus popular e sempre foi aprendida de ouvido, como ocorre com a poesia
dos cantadores de viola do Nordeste e com o folheto de cordel, que ganhou o status de literatura, no sentido mais
genérico do termo. A distinção entre literatura popular e literatura erudita é
produto da Modernidade e da imposição da cultura burguesa. As rodas acadêmicas
defendem, no geral, apenas os valores que lhes são revelados pela atividade
científica. Juvenal Galeno e Patativa do Assaré, os mais conhecidos poetas do
Ceará, não provieram da cultura erudita nem foram por ela legitimados, mas não
se pode dizer que eles não são dois escritores do maior talento. Em alguns dos
meus livros, recolhi redondilhas e poemas de gosto popular, como é o caso de
“Martelo”, sem contar os cordéis que escrevi, dentre eles, “Décimas a Alcides
Pinto”. Orgulho-me, portanto, dos poemas populares e das redondilhas que me
foram sopradas pela melopeia.
Fortaleza, setembro de 2017;
Brasília,
fevereiro de 2018.
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