Antônio
Girão Barroso é uma legenda viva da cultura cearense. Não foi apenas um poeta,
no sentido mais genuíno da palavra, pois a sua atividade, como agitador de
ideias e líder de movimentos de vanguarda, transcendeu à cena literária
cearense.
A implantação
do modernismo no Ceará muito deve aos fulgores do seu intercâmbio e à sua
capacidade de comunicação e de sintonia com aqueles que fizeram, em São Paulo,
a Semana de Arte Moderna, tendo mantido relações de amizade com escritores como
Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo e Carlos
Drummond de Andrade.
Foi um
modernista de primeira hora, que não se deixou levar, em nenhum momento, pelas
formas fixas do poema. No seu livro de estreia, de 1938, deu abrigo, como
poucos poetas brasileiros, ao evangelho desse movimento, e foi arauto, no
Ceará, dessa nova estética literária.
Na década de
1940, fez-se um dos expoentes do Grupo Clã de Literatura, ao lado de poetas,
tais Artur Eduardo Benevides e Aluísio Medeiros, e de ficcionistas como Fran
Martins, Eduardo Campos e João Clímaco Bezerra, tendo participado do Congresso
Cearense de Poesia e da Sociedade Cearense de Artes Plásticas, exercendo também
a crítica literária, a crítica de cinema e a crítica de arte com notável
conhecimento dos seus objetos de pesquisa.
O Movimento de
Arte Concreta, no Ceará, muito aprendeu com esse importante poeta modernista,
tendo dele recebido todos os aplausos e o registro das suas manifestações.
Influenciou, também, o poeta Antônio Girão, o Grupo SIN de Literatura, no final
da década de 1960, e, nas décadas seguintes, foi uma espécie de guia e protetor
das novas gerações.
O seu jeito
humano e perdidamente poético de viver constitui um traço da nossa cultura
letrada, da nossa atividade boêmia e dos movimentos estéticos que eclodiram em
Fortaleza durante quase meio século. Simples e despojado de qualquer forma de
empáfia, brincalhão e feliz assim como uma criança que sabe os valores do
afeto, Girão tinha um espírito levemente travesso e um coração permanentemente
aberto para o novo.
Publicou pouco,
muito pouco mesmo o poeta Antônio Girão, em relação ao tempo no qual atuou como
escritor de vanguarda, mas o que deixou publicado, nesse campo, é suficiente
para colocá-lo entre os grandes poetas cearenses, tendo sido recolhido, até
agora, pouco mais que uma centena de poemas de sua autoria.
É possível que
tenha perdido boa parte daquilo que escreveu, pois era, assumidamente, um
grande sonhador, desprovido de preocupações para com o legado da sua produção,
que se impôs à poesia do Ceará e do Brasil pela clareza, limpidez estética e correção
sintática dos seus grandes achados estilísticos.
Em Girão, a
poesia flui de forma desataviada e espontânea, traz acentos melódicos, que nos
fazem tamborilar o ritmo das artérias, e imagens lapidadas por recortes cênicos
que nos colocam diante da beleza do cotidiano, porque plástica e lírica a
cosmovisão dos seus insights
criativos.
Nele, o poeta
não se compara nunca com o cronista; o ensaísta paga tributo aos cenários da
vida cultural; e o crítico nele se revela com todo o aparato da forma que lhe
permite o recurso à lírica e à estética como panos de fundo do seu artesanato.
A criação
poética de Girão talvez esteja, apenas parcialmente, reunia em Poesias Incompletas (Fortaleza, Edições
UFC, 1994); e a sua prosa, ainda dispersa em jornais e revistas, começa a ser
resgatada em Aproximações. Não creio,
sinceramente, que no livro estejam reunidos todos os escritos em prosa de
Girão, mas apenas parte daquilo que foi possível pesquisar.
O título - Aproximações, assim como aquele que nomina o seu livro de poemas,
acompanharam o autor nos seus últimos anos de vida. Mas o poeta, é certo, não
organizou nenhum desses livros, como pretendia, pois não lhe sobravam tempo nem
razão para assuntos dessa natureza.
O seu coração
e a sua conhecida ternura de poeta, sempre disposto a celebrar a vida com os
seus amigos, não cediam lugar para o óbvio, perseguido por todo escritor de
talento: a concatenação dos seus escritos dispersos.
Devemos ao seu
filho, Oswald Barroso, a ressurreição de Girão como poeta póstumo, e, agora, a
sua sobrevivência como cronista e ensaísta. Engrandeceu-se Oswald como
pesquisador, resgatando parte da prosa jornalística deixada por seu pai.
Ter sido
escolhido para fazer o prefácio desse livro é algo que me toca de uma forma
muito especial. Convivi bastante com Girão, com ele mourejei na boemia e dele
recebi as atenções que poucos poetas, seus contemporâneos, dispensaram a
escritores da minha geração.
Girão me ensinou
a arte de ser breve e a arte de buscar as fontes de leitura especialmente
antenadas com o novo. E creio que posso registar que ele me ensinou a ser um
escritor melhor e a viver a cena cultural como extensão da minha escritura
literária.
Os assuntos
versados em Aproximações constituem
um mosaico de intenções artísticas. Trata-se antes de uma cultura de acervo, na
qual a literatura cearense aparece diante das suas mutações, especialmente
aquelas processadas enquanto Girão atuava com o brilho da sua inteligência.
O resgate da sua
produção se impõe à cultura das novas gerações, porque Antônio Girão já é parte
da história que se conta e da literatura que, no Ceará, caminha soberana para a
sua afirmação definitiva.
Não pretendo falar sobre a temática do livro, nem explicar o sumário de Aproximações. Melhor mesmo é deixar que
os leitores, de primeiro, mergulhem na leveza desses escritos de Girão.
Grande Dimas! Tudo bem? Belas palavras, Antônio Girão Barroso de fato foi bastante importante (não só, mas em grande parte) pela vanguarda que representou nas letras cearenses.. Sabe me dizer se e onde já está à venda essa obra? Forte abraço!
ResponderExcluirRafael Caneca, forte abraço.
ExcluirA breve, porém grande explanação de Dimas sobre a obra de Antônio Girão, nos leva a admiração e ao sentimento de estarmos em frente de uma personalidade da literatura universal. No meu caso, pouco o conheci, mas, esse pouco, já me é o bastante. Pessoalmente lembro da ternura, da ingenuidade e do ser avesso aos padrões ululantes. Lembro do semblante não superior, da postura honesta e da delicadeza ao receber, mesmo que fosse um menino travesso. E ainda lembro do sorriso, sempre igual e verdadeiro. Lembro também do meu pai, o mais velho do ninho, quando dele falava. Enfim, lembro que poderia exigir mais se mais soubesse de quem eu era pelo hoje sou.
ResponderExcluirHilton Barroso, grato por seu comentário.
ResponderExcluir