terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Direito de Família: Uma Visão Transformadora

             Dimas Macedo

   O estudo metadogmático do direito, isto é, aquele que transcende à rigidez e ao formalismo dos dispositivos legais, é o fenômeno mais visível da ciência jurídica nos últimos tempos. O pluralismo político e a massificação democrática, agregados às mais diversas formas de expressão da cultura, parecem mesmo ter abalado as certezas que os pensadores erigiram acerca do conhecimento. 

   Diante desse quadro, a visão transdisciplinar que se possa aplicar no processo de perquirição de uma dada realidade parece ser, de forma sedutora e sempre cativante, o melhor caminho para um aprendizado sólido e erudito. A abordagem crítica, o pensar alternativo, a pesquisa tópica, o recurso à zetética e às formulações teóricas contra­dog­máticas, entre outros métodos aqui não referidos, têm promovido uma verdadeira reviravolta na velha árvore da ciência jurídica.

   Direito de Família – Uma Abordagem Psicanalítica (Rio, Editora Forense, 4ª ed., 2012), de Rodrigo da Cunha Pereira, é um livro que me parece remarcado pela compreensão desses elementos, com a ousadia de ferir um argumento novo, que é a busca da Psicanálise como suporte de interpretação do Direito de Família enquanto realidade normativa e instituição social em fase de mudança.

   Com efeito, sinto-me confortado em poder concordar com o autor quando ele questiona a transformação profunda pela qual tem passado o Direito de Família e a própria instituição familiar, não só no plano psicossocial e filosófico, mas também e principalmente no enunciado da sua formulação constitucional e estrutural.

  Por outro lado, quando externa o seu entendimento de que o Texto Magno de 1988 foi tímido na formulação de um perfil da família, mas reconhece, em contrapartida, que “ele é a tradução fiel da família atual”, cada vez mais plural e diversificada, o Rodrigo da Cunha Pereira testemunha um dos seus melhores acertos.

   Tendo como ponto de partida das suas abordagens o pensamento de Jacques Lacan e de Levi-Strauss, e passando por Freud e pela Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, o autor surpreende quando chama a teoria de Kelsen à colação. Normas fundantes da conduta sexual/normas fundantes da instituição familiar, rejeitadas as teorias da promiscuidade da organização familiar primitiva, é uma das teses que mais seduz o autor.

   Rodrigo da Cunha Pereira se vale da Teoria Geral das Normas do conhecido pensador e jusfilósofo Hans Kelsen, reconhecidamente o grande sistematizador da ciência do direito, para ressalvar a norma fundamental da moral familiar como categoria fundante das normas gerais que regem o Direito de Família.

    Na visão do autor, tanto Kelsen como Freud, ao investigarem as origens das leis, parecem ter se deparado com o mesmo referencial, no caso a primeira lei, aquela que constituiria a base e o pressuposto da cultura, da organização da linguagem e das relações entre os homens, ou seja, uma lei que é fundante de nossa estruturação psíquica, tudo isso a partir de uma conexão com a ética das relações sexuais, desde as suas manifestações tribais ou primitivas.

   As conclusões do autor, tanto neste quanto em outros pontos da sua pesquisa, são de todo pertinentes e de altíssima significação. As abordagens estão respaldadas em dados estatísticos e em sólida doutrina de autores clássicos e modernos. 

    Daí ser possível ao Professor Rodrigo afirmar que o material por ele pesquisado revela-nos “além de situações familiares, aumento e diminuição de casamentos e separações, mudanças nas formas de constituição da família”, concluindo também que, “com todas as evoluções e mudanças, a mulher vem sendo elemento definidor na quebra da estrutura patriarcal”.

   Com estas notas e tendo em vista as conclusões a que cheguei, acredito ter apresentado, ainda que de forma sucinta, o livro do Professor Rodrigo da Cunha Pereira: Direito de Família – Uma Abordagem Psicanalítica, cuja leitura eu considero indispensável a quantos militam no campo do Direito, especialmente os que se interessam pelo Direito da Família e pela sua transformação institucional.

Roteiro de Farias Brito

      Dimas Macedo
  

                  
            Quando pensei em escrever as linhas fundamentais do meu livro Pensadores Cearenses, foi Farias Brito um dos primeiros nomes que defini para o projeto. A filosofia espiritualista por ele desenvolvida, de forma original e soberana, talvez justifique o meu amor renovado pela sua obra.

             A mística panteísta de Alcântara Nogueira, o fervor social da ideologia de Joaquim Pimenta, a metodologia da pesquisa histórica de Capistrano de Abreu, o culturalismo filosófico de Djacir Menezes, o normativismo democrático de Arnaldo Vasconcelos e a crítica social de acento literário, que permeia a obra de Raimundo Antônio da Rocha Lima, sempre me pareceram monumentos da cultura brasileira e orgulho supremo da cultura cearense.

           Nenhum momento da cultura brasileira, no entanto, me parece superior à obra filosófica de Farias Brito. O seu pensamento e a originalidade da sua expressão analítica, o mergulho transcendente que empreendeu em busca da verdade e das formas superiores do conhecimento ficarão pelos séculos tal uma luz misteriosa para os pensadores de todas as idades.

           Farias Brito é tão universal quanto Kant, e a sua reflexão, plural e instigante, é tão importante para o homem quanto a contribuição de Espinoza ou a mística de origem divina que reparte o mundo e os sentidos maiores da contemplação.

           Não precisou de escolas ou universidades para comprovar ou desenvolver as suas teses, nem de legitimação oficial para a proteção da sua pesquisa criadora; nem de doutrina pretérita precisou Farias Brito para testificar as inquietações do seu ser em comunhão com a luz soberba da razão.

            Foi um criador de formas e sentidos e um desbravador de códigos e dígitos esse pensador que Deus colocou na noite escura do homem. Foi, portanto, um eleito, esse cearense pobre de São Benedito, esse pária social elegante e desafortunado que o amor de Deus escolheu para anunciar a nova lógica cultural que as forças materiais haviam sufocado.

            Farias Brito nasceu no Ceará, nas escarpas da Serra da Ibiapaba, onde se encrava atualmente o município de São Benedito, aos 24 de julho de 1862, e faleceu no Rio de Janeiro, aos 16 de janeiro de 1917.

            Optou, como muitos brasileiros do seu tempo, pelo bacharelado em Direito, formando-se em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito do Recife, em 1884.

            Foi Promotor Público e Secretário de Estado em sua província de berço, agitou a vida cultural do Ceará no último quartel do século dezenove, e verberou as suas inquietações e os seus libelos sociais na imprensa da época em que viveu.

           Farias Brito fez-se Professor do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, através de memorável concurso, mas perdeu o direito de nomeação para Euclides da Cunha. Porém, nada foi superior em sua vida do que a paixão de ordem filosófica.

           Poeta no início da sua trajetória, Farias Brito tornou-se com o tempo o filósofo puro da reflexão e da contemplação. A finalidade do mundo, a vida do espírito e a sua energia inesgotável, os tormentos do ser e o triunfo final da vida interior – eis os assuntos do seu particular afeto e da sua sede sempre renovada de pesquisa.

            Autor de A Filosofia Como Atividade Permanente do Espírito (1894), Filosofia Moderna (1899) e Evolução e Relatividade (1905), que formam o tratado de Finalidade do Mundo, Farias Brito publicou ainda O Mundo Interior (1914), A Base do Espírito (1912) e Cantos Modernos (1889).

             No Brasil e no mundo, muito já se escreveu sobre a obra desse notável cearense, muito já se disse contra e a favor da sua criação, mas a sua vida e o seu legado filosófico ainda constituem um desafio para todos nós e especialmente para o escritor, Antônio Carlos Klein, que se dispôs a tracejar o seu itinerário, num livro que ficará, por certo, qual uma referência sobre a vida e a obra desse grande filósofo das Américas e da civilização do Hemisfério Sul.

           Refiro-me ao último volume da coleção Terra Bárbara, das Edições Demócrito Rocha, que traz por título justamente o nome do homenageado desta resenha, e que foi escrito com paixão e seguro domínio do seu objeto de pesquisa.

            Autor da biografia de Paulo Bonavides, publicada no âmbito da mesma coleção, ofereceu-nos, em seguida, Antônio Carlos Klein, o Perfil Biográfico de Farias Brito (Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004), firmando assim o seu nome como uma das expressões da nova geração de pesquisadores do Brasil.



      

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Mário Pontes: Um Homem Chamado Noel

                   Dimas Macedo

                             
          Conheci Mário Pontes em 1983, “numa expressiva reunião de intelectuais”, no Lunas Bar, Rio de Janeiro, tal como registrei no meu livro Leitura e Conjuntura (Fortaleza: Edições Secult, 1984). Na época, eu já o admirava como um dos meus escritores preferidos.
          Lembro-me, perfeitamente, dos fervores daquela agitação, e que eu sentei ao seu lado para ouvir o elogio que ele fazia à produção de Luís-Sérgio Santos, meu editor no suplemento de cultura do Diário do Nordeste e que ali se achava presente.                 
         Minha primeira viagem ao Rio de Janeiro, naquele ano de 1983, se fazia pelas mãos de Roberto Pontes e a acolhida generosa de Pedro Lyra e de Normanda, em cujo apartamento nos instalamos para conferir a I Bienal Internacional do Livro, representantes que éramos, Roberto Pontes, Luís-Sérgio e eu, da Associação Profissional dos Escritores do Ceará.
         Visitando, na oportunidade, a Editora Antares, fomos presenteados com o livro Celebrações do Outro (1983), de Ana Miranda, e com o romance O Coração é um Caçador Solitário, de Carson McCullers, sobre o qual Mário Pontes tinha escrito uma resenha elogiosa.
          Editor do suplemento literário do Jornal do Brasil, e antigo jornalista em Fortaleza, onde publicou o seu primeiro livro (Brevidade, 1966) e ajudou a cozinhar a edição de vários jornais, Mário Pontes já era, na época em que o conheci, o autor de Milagre na Salina (Rio: Ed. Brasília, 1977) e dos ensaios sobre literatura de cordel reunidos em Doce Como o Diabo (Rio: Codecri, 1979).
           Entre os livros de Mário, destacam-se o romance Ninguém Ama os Náufragos (Rio: Nova Fronteira, 1981), a novela Chora Violão (1985) e os contos de Andante Com Morte (Rio: Bertrand Brasil, 1999), não esquecendo, aqui, a sua dimensão de tradutor e o fato de que incluí o seu nome no meu livro Crítica Imperfeita (Fortaleza: Imprensa Universitária, 2001), entre os escritores que ilustraram o Ceará para além das suas fronteiras.
            Em outubro de 2003, vinte anos após o nosso encontro no Rio de Janeiro, percebi que Mário Pontes continuava muito próximo de mim. Preparando-me, então, para viajar a São Luís, o poeta Natalício Barroso pediu-me que levasse comigo o novo livro de Mário, Um Homem Chamado Noel (Fortaleza: Funcet, 2003), com a sugestão de que eu escrevesse as minhas impressões de leitura.
          Recolhido nos moinhos de vento da Praia do Calhau, em São Luís do Maranhão, eu comecei a pensar, seriamente, no que é glória de ser escritor, fui lendo preguiçosamente os contos do Mário e não fazendo nenhuma anotação. Limitando-me a ouvir uma voz, a de Lucas, que me encantou desde o primeiro texto do livro, com suas estórias e as suas insinuações.
          Em cada uma das narrativas do volume, percebi a voz onisciente de Lucas, e traços da personalidade do autor, ora como testemunha, ora como narrador, mas no geral e fundamentalmente, como estrutura polifônica da escritura literária de Mário.
          Nos contos reunidos em Um Homem Chamado Noel, segundo o seu editor, “o leitor encontrará algumas figuras curiosas, como o patético ancião que fez de seu velho automóvel um jardim suspenso e festeja o 7 de Setembro percorrendo a cidade no lombo de um pangaré, empunhando uma bandeira que desafia todas as leis da heráldica; a mascote de um time de futebol com quem o destino foi particularmente impiedoso; o soturno Noel, que vive de glórias irrecuperáveis”.
          Nesse precioso livro de Mário, de alguma maneira, encontro o fechamento de uma certa intenção literária que o autor semeou em Milagre na Salina, pois que em ambos se guardam um fio condutor das narrativas e uma mesma unidade morfológica, elementos que se projetam, às vezes, na sua estrutura estilística e na sua densidade semântica.
          Claro que se trata de um livro de contos, sem nenhuma dúvida.  Contos com a melhor técnica da história curta. Um Homem Chamado Noel, contudo, pode ser lido também como um romance.  O romance de Lucas, possivelmente um alterego do autor, que se reparte entre os muitos apelos da memória e os Fios de Ariadne da escritura literária.
         Uma teia de fragmentos que se unificam, contraditoriamente, em face do desenho da letra e da escrita polifônica de Lucas. Estórias que vão desde a descoberta do mundo do personagem principal de Um Homem Chamado Noel, até o limite maduro da condição humana com que se defronta o narrador no último texto do volume.
         Um poema? Talvez. Possivelmente um gênero ou qualquer coisa de corte literário elevado (e refinado) com o qual venha o leitor a se satisfazer.  Pois a literatura, quando muito pouco, é fundamentalmente isto: entretenimento e representação; e quando muito grande, como aquela que nesse livro se lerá, é tudo o que acima falei e muito mais: é aquilo que se faz com as formas da estética, para que as linhas da estética se façam os fios da memória e o tecido maduro da arte literária.
         Hoje, passados trinta e cinco anos, percebo que Mário Pontes continua vivo como romancista; que Pedro Lyra se tornou um dos ícones da sua geração; e que Luís-Sérgio Santos e Roberto Pontes se edificaram na literatura como dois escritores de talento: o primeiro, como editor e ensaísta; e o segundo como um dos maiores poetas do Brasil.


                                                                                                                                                                    Fortaleza, julho  de 2018



quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Trajetória de Joaquim Pimenta


     Dimas Macedo

 

             Entre os fundadores da teoria social do Brasil, no século XX, destacamos o nome de Joaquim Pimenta. Sociólogo, jurista, pensador da cultura e memorialista, Pimenta foi um dos raros intelectuais, entre nós, que fez da sua práxis política, um exemplo de vida e um testemunho de ação a serviço do bem.

           Nascido no Município de Tauá (CE), aos 13 de janeiro de 1886, e órfão de mãe aos nove anos de idade, Pimenta fez da sua inquietude um projeto de atuação social e intelectual que sempre deixou em polvorosa o poder institucional e político de vários governantes da Federação.

          Vítima da oligarquia acciolina no Ceará, quando ainda estudante de Direito, em Pernambuco enfrentou reveses ainda mais ferrenhos e desafiadores. Se em Fortaleza fundou jornais e revistas e liderou a juventude universitária do seu tempo, no Recife, sua atuação se fez no campo da resistência política à opressão.

           Em 1910, conclui o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais e foi nomeado Promotor Público do Recife, mas em seguida renunciou ao cargo para lutar contra a tirania política do governador Rosa e Silva. Ferido de morte por bala de revólver, disparada por pistoleiro de aluguel, deixa a liderança da revolução social que pretendia implantar em Pernambuco e seguiu para o Rio de Janeiro, como forma de preservar a sua vida então ameaçada.

          Ainda no Recife, protagoniza uma das disputas mais célebres em torno de um concurso público no Brasil: aquela travada com Assis Chateaubriand, em torno da cadeira de Direito Romano e do título de professor Livre Docente da Faculdade de Direito do Recife. Não ganhou a Cadeira, mas nada impediu que ele se tornasse depois professor substituto da mesma Faculdade, regendo as disciplinas Economia Política e Direito Administrativo.

         No Rio, tornou-se jornalista profissional e fez-se professor catedrático da Universidade do Brasil. Mas, se do Recife foi defenestrado a bala e impedido de exercer o mandato parlamentar de deputado, no Rio encontrou o caldo de cultura para implementar a sua atuação.

          Joaquim Pimenta foi um dos ideólogos da Aliança Nacional Libertadora no Nordeste, em 1930, e, naquele mesmo ano, foi nomeado consultor jurídico do Ministro do Trabalho, juntamente com Evaristo de Moraes.

         Procurador do Trabalho, no Rio, optou, desde 1937, pelo cargo de professor de Direito Industrial e Legislação do Trabalho. E faz-se então e pelo resto da vida o teórico consumado e o ideólogo fervoroso da Sociologia do Trabalho e do Direito Trabalhista, sem nunca perder o gosto pela militância política.

           O escritor de texto social poderoso, o filósofo da ideologia trabalhista, o jornalista da veemência analítica e da reportagem com poder de dinamite e destruição é, no entanto, aquilo que vai definir a sua estatura no campo da reflexão e da enciclopédia que a sua produção representa.

          Entre os seus livros, cabe enumerar os seguintes: Ensaios de Sociologia e Direito (1915), Sociologia e Direito (1928), Golpes de Vista (1930), A Questão Social e o Catholicismo (1936), Cultura de Fichário (1940), Sociologia Jurídica do Trabalho (1948), Retalhos do Passado (1949), Enciclopédia de Cultura (1955), Sociologia Econômica e Jurídica do Trabalho (1957), O Homem de um Olho Só (1962) e Ensaios Sobre Ivan Lins, Djacir Menezes e Alcântara Nogueira (s.d.).

           Dos livros acima, um deles constitui um monumento da cultura brasileira. Trata-se da Enciclopédia de Cultura (1955), o qual foi republicado, em dois volumes, em 1962, pela Livraria Freitas Bastos do Rio de Janeiro. 

          Esse trabalho de Joaquim Pimenta compreende, talvez, o maior esforço de um intelectual brasileiro para fixar em livro um testemunho plural e instigante de um tempo histórico e sua significação social e cultural, de forma abrangente e totalizadora.

            Sendo Joaquim Pimenta um monumento da Sociologia Jurídica no Brasil, lógico seria esperar que alguém se interessasse por escrever a sua biografia. E é justamente isso o que fez um conterrâneo e discípulo vigoroso de Joaquim Pimenta, o advogado, escritor e professor universitário Edmilson Barbosa, traçando o seu perfil cultural em Joaquim Pimenta (Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004).


           O livro de Edmilson Barbosa tem uma virtude que o destaca dos demais: nele, o retrato político do homenageado se sobrepõe ao traço biográfico de cunho pessoal. É uma biografia de ideias, como de ideias e ações culturais proveitosas é o perfil acadêmico do autor: um dos intelectuais mais talentosos da sua geração e um dos nomes de ponta que o município de Tauá legou à cultura jurídica do Brasil.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Infância - Poema

                       Dimas Macedo







                    Amaram-me na infância                             
                    com uma voz chegada de outras coisas,     
                   pois não sabiam das minhas atitudes            
                   e eu trazia comigo uma tristeza          
                   encarada como uma montanha        
                   abaladora.   
                   Minha poesia se multiplicava                    
                   num canto de urgência                                    
                  e ninguém sabia                                            
                  das aventuras que eu perseguia:            
                  sonho,  assim, por um vale profundo,
                  consumindo-me sem razão, lado a lado...      
                  E misturaram um sabor amargo                   
                  aos meus versos                                             
                  e os meus sentidos fizeram-se desatados
                  como sandálias na companhia                      
                  de terras poeirentas.   
                  Aquele era meu caminho,                            
                  entre estradas batidas e fatigadas,           
                  com rostos que imploravam,                          
                  e a fisionomia de todos era como a fome. 

                          14.06.1978
                         (in A Distância de Todas as Coisas, 1980)



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Ossos do Ofício


                  Dimas Macedo







 O impacto que os exercícios de leitura provocam em nossa sensibilidade autoriza-nos a que do desenho do texto possamos extrair as nossas ilações, quando não captar manchas ou sentidos, que se incorporam aos subterrâneos do nosso imaginário, motivando-nos a que do prazer, da utilidade ou das possibilidades do texto venhamos a minutar reflexões acerca da linguagem que nos foi possível apreciar.

  No meu livro Ossos do Ofício (Fortaleza, Editora Oficina, 1992) reuni um conjunto de escritos, produzidos em diferentes oportunidades e respigados em jornais e revistas fortalezenses e de outras regiões do País. São textos que não fogem ao destino de se refletirem como anotações momentâneas, redigidas à margem de algumas leituras, porém despidas do rigor científico que a metodologia da crítica está a exigir.

   A paixão pela descoberta do texto expressa como que o estímulo que me levou à organização dessa coletânea, a qual já antevia a possibilidade de ser acompanhada por outros exercícios de leitura da mesma natureza, da mesma forma que a esse livro precederam: Leitura e Conjuntura (1984) e A Metáfora do Sol (1989), os quais, juntamente com – Ossos do Ofício (1992) –, compõem a primeira trilogia de crítica literária levada a efeito pelo autor.

    Ossos do Ofício, a seu turno, configura um inventário de textos literários despido, com certeza, de qualquer pretensão. As recensões, quase todas, publicadas entre 1984 e 1988, eu as recolhi, na sua maioria, da coluna que mantive nas páginas do Jornal do Dorian, sob a editoração lúcida e destemida de Dorian Sampaio e Blanchard Girão, a quem dedico os escritos que reuni, buscando com isso registrar a minha mais sincera admiração.

De último, esclareço que a publicação desse livro não se encontrava cogitada em qualquer projeto literário do autor. Justificou-se talvez pelo fato de ter sido 1990 o ano em que o autor aspirou a um balanço da sua produção, com vistas a uma pausa no seu processo de editoração.