segunda-feira, 25 de novembro de 2013

La Saga Literária de Claudio Aguiar



     Dimas Macedo



         La lectura de piezas de teatro, en verdad, poço vale fuera dei escenario de su representación. Constituye, cuando mucho, una perspectiva simplemente alegórica y vivencial que, por fuerza de Ias circunstancias, no podrá ir más allá de Ia imaginación dei propio lector.

         Por ello que me parece imposible anticipar, a través de unas poças palabras, mayores consideraciones sobre Ia obra teatral dei escritor cearense Cláudio Aguiar. Pero, si, Io que puedo adelantar es que Ias piezas de teatro por él escritas parecen contener, en su conjunto, Ia misma preocupación de abordar algunos escenarios culturales ya bien identificados en ei contexto de su elaboración ficcional.

    Intencionalmente andado en ei área de Ias discusiones e investigaciones más serias, Ia obra de Cláudio Aguiar desarrolla un argumento rico y atractivo, lleno de sorpresas, interacciones y sabidurias, elementos reveladores de Ia saga literária a que se aventura este extraordinário escritor dei Nordeste de Brasil, hoy definitivamente consagrado como uno de los más expresivos nove­listas brasilenos de su generación.

    Uno de los hechos relevantes a ser destacado en Ia trayectoria literária de Cláudio Aguiar tiene que ver con Ia circunstancia de ser él uno de los poços escritores nordestinos en alimentarse de los valores populares presentes en Ias tradiciones y recuerdos de sus originales aldehuelas, recreándolos literaria-mente. Es decir, Cláudio Aguiar, como poços escritores contemporâneos, puede enorgullecerse de ser un artista identificado con Ias raíces de su forma-ción, Io que, además, nos parece profundamente estimulante, sobre todo cuando tenemos que pensar en Ia condición dei productor de cultura de un país, como es ei nuestro, aun miserablemente no alfabetizado, donde Ia mayoría de sus intelectuales parecen desinteresados por combatir Ias imposi-ciones de Ia industria cultural.

    Con una producción sistemática y regular, son los siguientes los libros hasta ahora publicados por Cláudio Aguiar: Exercício Para o Salto - cuentos, (Rio, Editora Cátedra, 1972); Flor Destruída – drama (São Paulo, Editora do Escritor, 1976); Suplício de Frei Caneca - oratório dramático (São Paulo, Editora do Escritor, 1977); Caldeirão - novela, (Rio, Livraria José Olympio Editora, 1982); Antes Que a Guerra Acabe - drama en cuatro actos (Recife, Secretaria de Cultura, 1985); A Volta de Emanuel - novela (Recife, Fundarpe-Governo de Pernambuco, 1989); Os Espanhóis no Brasil - ensayo (Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro, 1992); Brincantes do Belo Monte - auto dramático (Recife, Editora Universitária da UFPE, 1993); Lampião e os Meninos - novela (Recife, Editora Universitária da UFPE, 1994); y, Os Anjos Vingadores - novela (Recife, Edições Bagaço, 1994).

    Un conjunto, por Io tanto, de obras de los más variados gêneros literários y de Ias más distintas formas de abordaje y consideración, Io que muestra con claridad Ia habilidad de creador de este inquieto y polivalente escritor.

    Pero, ei libro de Cláudio Aguiar que aqui pretendo someramente refe-rirme -Antes que a guerra acabe- es una obra con Ia cual ei autor ha sido galardonado con ei Prêmio Valdemar de Oliveira, dei Estado de Pernambuco, en 1985. Se trata de Ia dramatización de algunos aspectos de Ia conturbada vida de Ia grande heroína cearense Jovita Feitosa. Esta es, a decir verdad, una historia alencarina, donde los conflictos de Ias familias Monte y Feitosa resur-gen como uno de los puntos más importantes de Ia trama y dei intento de ela-boración discursiva dei área que rodea los escenarios.

   El proyecto dramático de Aguiar, ai fin y ai cabo, se realiza con una gran relevância para ei proceso de comprensión de algunos aspectos de Ia forma-ción histórica dei Ceará. Además, con Antes que a guerra acabe, drama que enriquece Ia cultura teatral brasilena, Ia heroína cearense Jovita Feitosa, por un lado, gana uno de los principales espacios de interpretación e investigacio-nes y, por otro, ei Estado dei Ceará vive Ia ascención de uno de sus principa­les momentos culturales.

L'arte di Vando Figueiredo

             Dimas Macedo

                                           

                                                                                            Vando Figueiredo 

         II nome di Vando Figueiredo è legato alia tradizione delia cultura cearense, non solo nel senso delia sua continuità, ma soprattutto in quello che le arti plastiche rappresentano, in termini di affermazione delia nostra modernità e delia nostra esperienza sul piano psico sociale. II primo tratto che possiamo distinguere nella sua opera, comincia nel punto di intersezione in cui Ia scrittura dei colori si incrocia con il domínio indiscutibile delle forme; e fino ai limite in cui Ia creatività incontra Ia sua espressione quando si avvicina ai moderno, senza abbondonare Ia fisionomia dei clássico e le sue linee di maggior rilievo e determinazione.

          Sorpreso nelTatto delia creazione o dalla meta creazione, i colori e le forme in lui si coniugano sempre in forma armoniosa, stimolandolo verso le inquietudini e le risposte con le quali 1'artista soddisfa Ia sua esperienza di fronte alia mutazione delle cose e delle grandi esigenze dei mondo.

          II carattere moralizzatore delia sua opera Io avvicina agli artisti cristiani di tutte le età, soprattutto di quelle che fecero delia fede e dei mito dei sacro le linee di edificazione delia sua opera, assumendo Ia speranza e Tepifania come materie delia sua soluzione poematica o delia sua naturalezza creativa. La creazione delia sua maturità creatrice è presente nei tratti singolari e inconfondibili delia sua selezione di colori, nel tratto indissolubile delle sue collazioni o delle sue riproduzioni delia scena sociale e culturale, e nella figurazione rupestre o nei contorni apparentemente deformati di rappresentazioni dei corpo femminile.

           II quotidiano, nelTopera artística e seminale di Vando Figueiredo, appare sempre coniugato con Ia tradizione e con il taglio clássico delia sua allusione pittorica, inoltre, in tutto ciò che fa o realizza questo grande pittore brasiliano aggiunge il risultato delle sue conoscenze, delle sue ricerche nei campi delia filosofia e deirestetica e gli insights delia sua intuizione creatrice. Le immagini e le forme che traspaiono nelTopera di Vando Figueiredo derivano dalla sua rivolta interiore difronte alia deformazione dell'arte e delia sostituzione dell'umanismo con i valori delia mercê. Lopera di Vando Figueiredo fa parte di una dimensione cosmologica, dove il silenzio assume il posto delia verità sul piano creativo, e nella quale le forme tradizionali delia conoscenza sono sostituite dalla sua intenzione viscerale e dalla grammatica delia sua formazione.

          Secondo il poeta e artista plástico Carlos Macedo, in Vando Figueiredo "le linee discontinue e le forme imprecise, toccate a guisa di gesti propri", e che risultano in"pennellate vigorose e in disposizione eccessiva di matéria", costituiscono tratti delia scena culturale e artística post moderna.

       Frammenti di memória e intuizioni creative si abbracciano nel tratto pittorico di Vando Figueiredo, di modo che i colori delia sua dizione ancestrale e mitológica si trasformano in esseri, oggetti, e paesaggi dell'universo primitivo, dove il caos compone il tessuto deH'immaginario e 1'obliquità drammatica che 1'artista va architettando.

       Limpiego accentuato di collages, le tessiture e i rilievi e le esuberanti combinazioni di colore evidenziano il segno inconfondibile delle sue impronte digitali e Ia técnica piü recente e ancora piü dinâmica delia sua produzione, dove si notano anche gli acquerelli, le incisioni e Ia serigrafia.

         Considero Vando un clássico, nella linea di quelli che consacrano una tradizione e lottano per Ia preservazione deirancestralità e delia simbologia che garantisce Ia nostra unità biológica. La sua disposizione di creare, Ia consegna quotidiana ai suoi motivi e oggetti di lavoro, Ia sua cultura personale e Ia sua maniera di assicurare Ia preservazione desumano e Ia sua verità mitológica, fanno dei suo nome un riferimento di rilievo nelle arti plastiche dei Ceará e dei Brasile.

Antônio Joaquim Pimenta



                              Dimas Macedo

 
 
                                                                            Lavras da Mangaberia (CE)

           Antônio Joaquim Pimenta nasceu em Lavras da Mangabeira, aos 24 de agosto de 1857; e, ainda em tenra idade, viu-se transferido com a família para a Vila do Icó, dali saindo em1868 para residir na Capital da Província.

           Em 1870, viajou para a Povoação da Venda, depois cidade de Aurora, em companhia do seu irmão, Urbano Leopoldo Pimenta, então negociante naquela localidade. 

           Regressando a Fortaleza, em 1872, empregou-se no comércio a varejo, tendo ingressado no Liceu do Ceará, em 1875, instituição na qual realizou alguns preparatórios.

           Em 1879, fez concurso para vagas na Alfândega do Ceará, sendo nomeado por José Júlio de Albuquerque Barros, então Presidente da Província, para o lugar de Praticante da referida Alfândega, na qual alcançou o posto de Segundo Escriturário. 

           Em 1893, foi removido para a Alfândega de Santos, como Ajudante do Guarda-Mor, sendo, no ano seguinte, nomeado Segundo Escriturário dessa repartição, que compreendia, na época, o embrião da Receita Federal.

            Em 13 de abril de 1894, esse inquieto cearense, ainda residindo na cidade de Santos, aparece assinando um manifesto de apoio ao Presidente Floriano Peixoto, em face de sua vitória diante da Revolta da Armada.

             Com a reorganização da Alfândega da São Paulo, foi nomeado Primeiro Escriturário dessa repartição, que seria extinta, em 1897, oportunidade em que passou a trabalhar na iniciativa privada, até que, em 1898, foi nomeado Primeiro Escriturário da Alfândega de Santos, passando, depois, para o cargo de Conferente dessa instituição.  

             Em 19 de junho de1913, foi dispensado, a pedido, da função de Conferente da Alfândega de Santos, em face da sua nomeação para o cargo de Ajudante em Comissão da Inspetoria desse mesmo órgão federal, posto no qual tomou posse aos 20 de junho de 1913.

             A dimensão de fiscalista e de financista, contudo, é aquilo que mais conta na sua trajetória, pois foi nessa seara que Antônio Joaquim Pimenta mais se elevou, no plano da sua vida profissional.

             Se voltarmos no tempo, nesse pertinente, vamos constatar que, por oficio de 23 de julho de 1900, o Governo de São Paulo solicitou ao Governo Federal a constituição de uma comissão para apurar o encontro de contas entre Estado São Paulo e a União, com base na Lei Federal nº 260, de 24 de dezembro de 1894, residindo nesse ponto, talvez, a mais séria controvérsia financeira da Primeira República, entre a União e uma de suas unidades federadas.

              Por ato de 18 de novembro de 1900, o então Ministro da Fazenda designou o chefe da Secção da Alfandega de Santos, Joaquim Naziazeno Henrique do Amaral, e o Escriturário daquele Ministério, Antônio Joaquim Pimenta, para integrantes dessa comissão, tendo, a 28 de novembro de 1901, o Governo de São Paulo indicado o seu último componente, Antônio Ernesto da Silva, Provedor da Fazenda Estadual.

             Os trabalhos da Comissão se arrastaram até 1920, cabendo a Antônio Joaquim Pimenta os papéis de auditor e relator dessa memorável querela; e tanto se esmerou esse lavrense em resolver essa questão federativa, que viu o seu nome hasteado na história das finanças do Brasil.

             Além dos seus conhecimentos de Direito Alfandegário e de Ciência das Finanças, destacou-se esse ilustre cearense nos meios sociais e econômicos de São Paulo, especialmente como produtor e comerciante, na fase posterior à sua aposentadoria, destacando-se no Diário Oficial da União, de 31 de outubro de 1938, como um dos contribuintes de impostos do Governo Federal.

             O seu nome está citado em várias edições do jornal O Estado de São Paulo, nas primeiras décadas do século precedente, figurando também no Dicionário Biobibliográfico Cearense, do Barão de Studart, e no livro 1001 Cearenses Notáveis, de F. Silva Nobre.

            Segundo o professor Edmilson Barbosa, os primeiros integrantes da Família Pimenta que chegaram ao Ceará, eram originários da Paraíba, onde já haviam agitado demais o sangue quente de que são portadores. E, ao entrar em solo cearense, escolheram a Vila de São Vicente Ferrer como destino.

            A última tese que venho defendendo, com relação a esse lavrense de origem tão enigmática, é que ele é tio paterno do grande sociólogo brasileiro conhecido por Joaquim Pimenta, natural de Tauá e filho de João Nepomuceno Pimenta.

Márcia Tiburi - Magnólia

            Dimas Macedo
 
 
               Como não sou um teórico da cultura nem estudioso da filosofia da linguagem, creio que não posso falar de Marcia Tiburi enquanto ensaísta e pensadora. Sei que se trata de uma mente poderosa, de uma personalidade inquieta e fascinante e de uma romancista que é “uma absoluta novidade em nossa ficção”.

             Assim, nesta resenha breve sobre a sua estreia na literatura, fico tão-somente com os valores simbólicos do seu texto, com a estética da sua escritura inquietante, com os acertos e achados da sua construção estilística e com a semântica madura da sua ficção assustadora. 

              O sopro novo da inventividade está no seu texto como em nenhum outro momento da literatura brasileira. Ela é o que se pode chamar de uma romancista pós-moderna, pois sabe que a ordem e os sentidos paradigmáticos da modernidade perderam o seu lugar entre os empreendimentos da cultura.

              Desde a construção poética de Rimbaud e Baudelaire, passando pelas ousadias formais de Joyce e de Cortázar, pelo refinamento estético da poesia de tradição moderna, a literatura tem sido o estuário, a fusão e a síntese de todos os signos da cultura. Recuperou, portanto, o seu lugar na tradição e é por isto que no século vinte sempre caminhou em compasso de vanguarda.

              Corajosa, pois, a decisão de uma filósofa – justamente uma filósofa sutil e poderosa – de assumir o seu lugar na arte literária, quando, no geral, na história da cultura tem-se visto justamente o contrário. De plano, todo pensador que se preza é sempre um escritor poderoso, ainda que não seja, necessariamente, um arquiteto do campo literário. A literatura, de forma induvidosa, é feita predominantemente com palavras, assim como a filosofia faz-se majoritariamente com ideias.

              No plano do conhecimento, talvez com a exceção honrosa de Platão, que fundiu, maravilhosamente, a literatura com a filosofia, é essa a tendência que se tem observado sem maiores esforços.

            Às vezes as palavras não se bastam ao campo literário, ainda que a metáfora, a fábula e a parábola se prestem a remarcar este campo privilegiado da escrita. E, porque a palavra às vezes não se basta a explicar o mundo, é que o símbolo é um recurso que os escritores de talento sempre utilizam, valendo-se, no geral, da linguagem, que é um território sempre a explorar. E é com o recurso a uma forma nova e a uma linguagem plural e sedutora que Marcia Tiburi se dá ao trabalho de ourives nessa sua belíssima Magnolia (Rio, Bertrand Brasil, 2005).

             O que esse seu romance compreende? Não sei. Ainda porque saber é nomear. E nomear é desdizer os segredos do texto literário. Existem suposições tão-somente do que seja essa ficção espantosa e socrática. Romance? Poema? Ensaio ficcional? Aventura metalinguística? Ou uma história que se conta por si mesma a partir de fatos e segredos que precisam ser desvendados?

             O que posso assegurar é que Magnolia é um romance uno e plural a um só tempo. Um romance que se faz com o que existe de mais radical e profundo na engenharia do ser. É também sinônimo de busca rigorosa, que se faz por imposição da palavra e do delírio imaginativo.

               Paulo Bentancur, que escreveu a quarta-capa do livro, assegura-nos que “De suas páginas brota uma flor: a palavra a serviço da melhor literatura, aquela que nos desampara e que, ao mesmo tempo, nos dá uma nova face, a florescer em meio ao que já não podemos identificar como floresta ou deserto”. 

              Apesar de podermos fazer suposições sobre o enredo da história, “montada passo a passo, fato a fato, em torno de segredos discretos e aparentes evidências”, tenho para mim que a falta de enredo é um dos achados magistrais dessa novela curiosa.

              Para invocar aqui uma expressão de Cortázar, eu diria que Magnolia é um modelo para armar. Um livro, portanto, que não segue o figurino ou o sistema da moda, mas que dita a forma e o sentido de um novo signo: estético, artístico e ontológico, pois o ser Magnolia é uma aura a iluminar a visão de mundo do leitor. Um labirinto de espelhos ou um espelho d’água a refletir a nossa dimensão afetiva. 

             Talvez fosse possível dizer que a partir de uma ruptura dolorosa é que se dá a abertura das gavetas da protagonista, que simboliza a abertura das gavetas de cada um de nós. Aliás, como assegura Fabrício Carpinejar, num texto de muita lucidez que repousa nas orelhas do livro, “neste romance estranho, fantástico e pessoal de Marcia Tiburi, limpar as gavetas é o detonar de uma crise sem volta”. E é. Uma crise que leva também o leitor à exaustão e ao reencontro maduro com sua identidade.

             Nas orelhas do romance, existe uma alusão de que o livro, a partir da conformação e do sofrimento interior das personagens – a anônima Magnolia e o desenhista André –, faz a evocação das tragédias gregas. Não duvido. E acrescento, ademais, que o sentido essencial de Magnolia é a cosmovisão de todo o sofrimento imposto pela cultura pós-moderna: o mal-estar, o dilaceramento do sujeito, a fragmentação da esperança, o esgotamento de todas as energias corporais que cedem lugar à coisificação do afeto e ao fetiche da mercadoria.

            O romance, do ponto de vista da psicanálise, talvez possa ser visto como um documento gestáltico. Desconhecer, no entanto, a sua contestação frontal à normose ou à paranoia da normalidade seria tão imaturo quanto desconhecer que este romance é uma aventura com a linguagem, que não se satisfaz apenas com o recurso da palavra e que faz de um signo da cultura, do nome de uma flor e da sua beleza um enigma que nunca se decifra.

             O que se pode dizer de Magnolia, no mínimo, é que se trata de um livro instigante. Livro em que os nomes e os seres “fecundam-se mutuamente à espera de realidades que ainda não nasceram”. Livro germinal e visceral, portanto, no qual cada frase e cada som integram as partituras de uma sinfonia, a repartir e a juntar espaços e destinos, alucinações e fragmentos, desejos e sentimentos irrealizados.

             Não tenho nenhuma dúvida em afirmar que, na literatura brasileira, não existe paralelo que se possa contrapor a este romance-desafio. No cerne profundo do seu texto, parece-me oportuno observar o embate entre uma língua plural que se afirma e a realidade que se furta constantemente à nomeação. Também acho justo destacar o ritmo poético que, em Magnolia, precede e ordena os seus diversos extratos narrativos, resultando de tudo uma refinadíssima linguagem literária que a todos encanta e contagia.

             A montagem do texto é exemplar em Magnolia, assim como exemplar é o conhecimento filosófico que se desprende do seu enunciado. Sentenças, verdades imortais em frases lapidadas, tempo circular, claridade, manhã, noite, tarde, luz, escuridão. Fatos, talvez em demasia. Ou ainda a completa anulação de Magnolia entre o peso de uma dívida, cujo pagamento sempre se adia, e a alucinação a partir do terror noturno da insônia.

               Um enigma atravessa e recorta as páginas do romance: o voo dos insetos. Se, na história, povoam o entorno da protagonista, no livro, eles voam diante dos olhos do leitor, enriquecem o projeto gráfico do volume e harmonizam a belíssima e irrepreensível capa do romance, um dos melhores objetos gráficos editados de último no Brasil.

             A obra de arte literária quando se desprende do íntimo do autor é superior ao engenho e à vontade de quem a empreende. E é autônoma em relação ao tempo e ao espaço da sua produção. Daí não ter importância as referências a aspectos biográficos de uma escritora de talento quanto Marcia Tiburi. 

              Pede-me, no entanto, o ritual do discurso que lhes apresente também a autora. Acho que não devo. Digo tão-somente que Marcia Tiburi, para além das imagens, palavras e recortes cênicos que estamos acostumados a assistir em programas de TV - como Saia Justa (da GNT) e A Bela e a Fera (da TV Futura/Unisinos) -, é uma das principais filósofas do Brasil. 

             Márcia é professora de filosofia, com doutorado e tese neste campo de pesquisa sobre a obra de Theodor Adorno. É natural do Rio Grande do Sul. Divide-se entre São Paulo e Porto Alegre. É artista plástica com graduação nessa área e é autora, entre outros, dos seguintes livros: Crítica da Razão e Mímesis no Pensamento de Theodor Adorno (1995), Uma Outra História da Razão (2003) e Filosofia Cinza – A Melancolia (2004).



           Um repasse tão-só dos títulos referidos mostra-nos para onde a autora conduz a sua filosofia combatente: para as águas maduras das interrogações e do sofrimento psíquico do sujeito, em contraposição à filosofia orgânica e tradicional, de ordem espiritual, material ou cosmológica. A filosofia, portanto, da radicalidade e dos signos culturais cambiantes, que aponta para o legado de Nietzsche e da psicanálise e para o niilismo institucional e acadêmico.

             Magnolia é sua estreia na literatura e abre o que a autora denominou de “trilogia íntima”. Marca, assim, o início de uma carreira literária que já nasceu vitoriosa. Trata-se de um livro que se impõe pela sua expressão e pelos seus valores e cuja leitura eu recomendo como um dos momentos de melhor criação e pesquisa de vanguarda que se tem editado no Brasil. Nele, a estética e a semântica de língua portuguesa assumem, definitivamente, o seu lugar nos escaninhos da arte literária.

Pablo Neruda - Canto Memorial

        Dimas Macedo


             Entre 1979 e 1983, consolidou-se, no Ceará, uma nova geração de escritores. 1983 foi um ano emblemático para os poetas dessa geração, especialmente por constituir o primeiro decênio da morte de Pablo Neruda (1904-1973), o poeta por excelência da cultura hispânico-americana e um dos mais influentes intelectuais do século vinte, em todos os sentidos.

             O evento foi rememorado no Ceará de uma forma muito especial, pois, além de o suplemento Cultura de O Povo, de 18.09.1983, ter sido todo ele dedicado a Neruda, com o artigo de fundo por mim estrategicamente redigido, Luciano Maia lhe dedicou um livro de excelente fatura: Neruda – Canto Memorial, publicado em São Paulo, pela Editora Movimento.

            A segunda edição desse livro veio a público em 2000, pela Imprensa Universitária da UFC, em vista do I Encontro Amazônico da Poesia Latino-Americana, em que Luciano Maia se fez presença destacada, na condição de poeta e palestrante, ao lado de escritores como Jorge Tufic e Thiago de Mello, sendo este último o prefaciador de Neruda – Canto Memorial.

           O livro de Luciano Maia chega, agora, à maioridade civil (e maioridade estética também, na melhor acepção da palavra). E se evidencia resistente e autônomo exatamente neste ano de 2004, quando Pablo Neruda completa o seu primeiro centenário de vida.

             Pablo Neruda não foi apenas o grande poeta latino-americano do seu tempo. Ele foi e é um escritor de porte universal, pois soube sintetizar, como poucos, a consciência política da sua geração, o lirismo romântico de corte amoroso e fraterno e o domínio irrecusável de uma linguagem sutil e fulgurante, que tanto marcou a tradição da cultura literária do Terceiro Mundo.

            Político, diplomata, cidadão do mundo e arauto do povo sofrido dos altiplanos da América, nasceu em Parral, no interior do Chile, a 12 de julho de 1904, e foi batizado com o nome de Ricardo Neftalí Reyes Basoalto, optando, posteriormente, pelo pseudônimo que o imortalizou. E isto ele o fez após a redação do seu primeiro volume de poemas, intitulado Cadernos de Temuco, escrito entre os quinze e dezessete anos, datando-se daí as Nascentes do Rio que o conduziu para a posteridade.

               Neruda viveu parte da infância em Temuco e, na adolescência, em Santiago; foi um dos mais ativos militantes da cena política e cultural, publicando o seu livro de estreia: Crepusculário, em 1923 e, no ano seguinte, os seus Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada (Veinte Poemas de Amor y una Canción Desesperada).

             Em 1927, foi nomeado Cônsul na Birmânia, sendo transferido depois para o Ceilão (1928). Regressando ao Chile, em 1932, publicou, no ano seguinte, o livro intitulado Residência na Terra (Residencia en la Tierra), ocupando também o Consulado do Chile em Buenos Aires (1933) e em Barcelona (1934). 

              Em 1935, é transferido para Madrid, participando ali da resistência civil ao lado de Garcia Lorca. Demitido do seu posto, por razões de ordem política tão-somente, viaja para Paris e funda, na Capital francesa, com o poeta peruano César Vallejo, o Grupo Latinoamericano de Ayuda a España, regressando ao Chile em 1937, e indo para Paris dois anos depois.

            Em Madrid, criou a revista Caballo Verde Para la Poesía e, ao terminar a guerra civil espanhola, transferiu um vasto contingente de exilados políticos para o Chile, fazendo-se Cônsul Geral no México em 1940, onde publica Canto Para Bolívar e escreve Carta a Estalingrado, que se torna um documento político bastante disputado pelo povo mexicano. Visita os Estados Unidos em 1943 e, de regresso ao Chile, nesse mesmo ano, empreende viagem pelo continente sul-americano, detendo-se em várias cidades da Costa do Pacífico.

            Em 1945, filia-se ao Partido Comunista, recebe o Prêmio Nacional de Literatura, na Capital chilena, e é eleito Senador da República. Faz conferências em Montevidéu e em Buenos Aires. Dois anos depois (1947), vítima de perseguição política, perde a sua cadeira de Senador e tem a sua prisão decretada por vários tribunais chilenos.

          Passa, então, a viver na clandestinidade e, inflamado pelo espírito do exílio e da clandestinidade, redige o monumental Canto Geral (Canto General), publicado em 1950/1951, e que se converte, com o tempo, no poema maior e no texto literário matriz da trajetória política, lírica e cultural dos povos da América Latina.

          Já consagrado literariamente, viaja pela Guatemala, Tchecoslováquia e Índia e recebe o Prêmio Internacional da Paz, que lhe é entregue em Pequim. Empreende viagem a diversos países da Europa, demorando-se em Berlim e Dinamarca, e especialmente na Itália, onde fixa residência.

            Revogada a sua prisão, em 1952, volta para o Chile, onde é recebido com grandes manifestações, e onde organiza, em Santiago, o Congresso Continental da Cultura, de indiscutível projeção internacional.

           Abre-se, a partir de então, um tempo de intensa criatividade para Pablo Neruda, datando-se dessa época Os Versos do Capitão (Los Versos del Capitán), As Uvas e o Vento (Las Uvas y el Viento) e Odes Elementares (Odes Elementales). Casa-se, em 1955, com Matilde Urrutia, sua quarta mulher, que passaria a exercer grande influência sobre a sua vida e a sua obra. A ela dedicou Cem Sonetos de Amor (Cien Sonetos de Amor), publicado em 1959 e que constitui um dos marcos da sua produção.

             E continua Pablo Neruda mais do que nunca andarilho, recebendo na Itália, em 1967, o Prêmio Literário Internacional, consagrando-se como teatrólogo com a peça Fulgor e Morte de Joaquim Murieta (Fulgor y Muerte de Joaquín Murieta), encenada em 1967. O seu livro A Barcarola (La Barcarola) é publicado nessa última data, e de 1969 são os livros Ainda (Aún) e Fim de Mundo (Fin de Mundo), que integram um dos momentos líricos de maior vigor e abrangência de toda a sua obra literária.

            Aspirante à Presidência do Chile, em 1970, pelo Partido Comunista, renuncia à candidatura em favor do líder máximo dos partidos populares chilenos, Salvador Allende, que, uma vez eleito, o nomeia para o cargo de Embaixador em Paris, sendo-lhe conferido, na Suécia, a 7 de junho de 1971, o Prêmio Nobel de Literatura, glória com a qual retorna ao Chile, para ali falecer aos 23 de setembro de 1973.

          A obra literária de Pablo Neruda é diversificada e remarcada pela lírica em geral, pela épica de suas projeções humanas e pelas intenções com que resgata as aflições de vários extratos periféricos. O que não falta em todos os seus textos é a presença de um humanismo de viés integral e militante e de uma fala ancestral e mitológica que não se querem, jamais, em compasso de espera.

          Publicou Neruda quase cinco dezenas de livros de alta ressonância e alguns desses livros – duas dezenas e meia deles, pelo menos – foram traduzidos e publicados no Brasil, a partir de versões feitas por Thiago de Mello, Domingos Carvalho da Silva, Carlos Nejar, Olga Savary e Fernando Sabino. O Rio Invisível, Cadernos de Temuco, Os Versos do Capitão, Pelas Praias do Mundo e os seus dois livros de memórias mais admirados – Confesso Que Vivi e Para Nascer, Nasci –foram editados entre nós pela Bertrand Brasil.

          A Barcarola, As Uvas e o Vento e Cem Sonetos de Amor estão disponíveis no Brasil com o selo da editora gaúcha L&PM, enquanto a Antologia Poética, com tradução de Eliane Zagury, foi publicada pela Editora José Olympio, cabendo a Olga Savary a tradução de Fulgor e Morte de Joaquim Murieta.

          Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada (tradução de Domingos Carvalho da Silva) e Ainda (tradução de Olga Savary) são exemplos de livros de Neruda que se tornaram muito populares no Brasil, ao lado do seu incomparável Canto Geral, poema épico fundador da ancestralidade americana e da nossa condição de povo sofrido e esmagado.

             As Uvas e o Vento é talvez o livro mais otimista de Neruda. Quando publicado, em 1954, levantou uma polêmica não apenas poética, mas política e ideológica, fundamentalmente. Nele o autor, um militante comunista, presta uma homenagem ao socialismo e ao tenso movimento humanista do pós-guerra, pintando com sonoridade e sensibilidade painéis sobre o homem e sua paisagem-ambiente. 

Se me perguntassem, agora, sobre o significado da poesia de Neruda, responderia que, num momento como este, em que a humanidade se volta para um tormentoso debate em torno da sua própria desagregação, nada melhor para enfrentar os nossos desafios do que voltar-se para a obra desse grande poeta universal, um nome que nem o Chile nem a América Latina nem o resto do mundo jamais poderão esquecer.

           Pablo Neruda, poeta maior da sua nacionalidade e a expressão mais genuína da cultura de combate e resistência que se forjou no século precedente, foi o escritor latino-americano que melhor compreendeu a circunstância histórico-cultural, na qual nos encontramos inseridos, e mais do que isso: foi ele um poeta que amou o seu povo, e o chileno que melhor dimensionou seu País. 

          Ninguém melhor do que ele soube inventariar o nosso processo civilizatório e a nossa condição de povo colonizado. E aí está o seu irrepreensível Canto Geral (Canto General) para testemunhar a sua exasperação criativa, um livro que, ao lado de Terra Nostra (Tierra Nuestra), do mexicano Carlos Fuentes, e de Cem Anos de Solidão (Cien Anos de Soledad), de Gabriel García Márquez, compõe a galeria de obras fundamentais para compreender a formação do continente americano.

           Bardo lírico de feição predominantemente telúrica, poeta social de grave prospecção humanística, Neruda foi por certo uma fulguração literária lastreada em múltiplas perspectivas. Além do exercício do ato de viver, que enfaticamente salienta, meditou a vida em toda a sua dimensão existencial e a apreendeu para além de todos os seus encantos e sofismas.

            A poesia de Pablo Neruda é toda ela reveladora de um inegável poderio verbal inerente à tessitura literária do seu criador. É toda ela detentora de uma inquestionável aventura expressiva e exibidora de um vasto painel, no qual afloram todo um insubmisso discurso e toda uma aliciante semântica.

            Neruda se insere no rol daqueles poetas de língua hispânica e de fala alucinadamente revolucionária que, de forma mais corajosa, elegeram uma ininterrupta trajetória de luta como motivo primordial do ato de existir, a exemplo de Ernesto Cardenal e Federico García Lorca.

             Enquanto viveu, Neruda sempre nos revelou um engajamento quase que sem precedentes. Ele contestou, combateu e resistiu, tanto com a palavra quanto com as ações. Lutou, amou e deu a vida pela causa da liberdade e pelo expurgo da opressão. Foi Neruda um poeta múltiplo, com certeza, porém um homem tremendamente injustiçado pelos poderosos do seu país. 

             Marcaram-no, profundamente, tanto a perseguição contra ele desencadeada pelo regime do Presidente González Videla, quanto o brutal exílio ao qual se submeteu contra a sua vontade. Vibrou com a ascensão de Allende à mais alta magistratura da nação, e tanto se irmanou com os seus ideais, que com ele preferiu sucumbir antes de ter que assistir mais uma vez ao Chile dominado por um regime de exceção.

             Engajado nas causas do socialismo e da liberdade, não deixou, contudo, a sua obra ser contaminada pelo viés político-partidário. Exilado, resistente, combativo, corajoso e protagonista de uma das aventuras mais expressivas da lírica em língua castelhana – legou-nos os mais perfeitos, emotivos e emocionantes poemas que a estética literária moderna se mostrou capaz de conceber.

             Por último, devo dizer que conheci Neruda através de Ainda (Aún), um livro que li com a maior sofreguidão, especialmente porque nas suas páginas eu vi refletida a minha infância, razão pela qual eu o guardo com a maior atenção. Pela primeira vez, lendo Neruda, tomei conhecimento de que no sul do Chile as araucárias existem em abundância e, mais tarde, depois de algumas outras leituras, de que nessa mesma região existem lugares como Parral e Temuco, cheios de paisagens sombrias e tempestuosas.

           Em Parral, como vimos, nasceu este poeta maior das Américas, aos 12 de julho de 1904, tendo falecido aos 69 anos, depois de viver as grandes tragédias do século que ajudou a libertar e que, decididamente, inscreve-se entre os momentos mais miseráveis e obscuros da história da humanidade. Morreu aos 23 de setembro de 1973, após ver vilipendiada a sua pátria e traídos os ideais socialistas do seu amigo Salvador Allende. Esses desacertos e contradições, essas traições e turbulências próprias desse século de “luzes” ele já havia cantado em Fim de Mundo (Fin de Mundo), livro cuja leitura nos transmitiria a certeza de que, em verdade, estaríamos vivenciando a nossa própria hecatombe. 

           Se fizermos um balanço desses vinte e um anos de ausência de Neruda, e dos cem anos de sua permanência entre nós, iremos fatalmente constatar que em outro qualquer período jamais foi ele alvo de tantas manifestações. Entre os seus fiéis admiradores, que hoje se espalham por todos os continentes, dando-lhe uma dimensão universal, está o poeta Luciano Maia, que nos brinda agora com a republicação de Neruda – Canto Memorial: livro a um só tempo iluminado e maduro, e enriquecido pela apresentação de Thiago de Mello.

            Com Neruda – Canto Memorial (Fortaleza, Editora UFC, 3ª ed., 2004), Luciano Maia empresta à sua construção literária uma configuração crítico-alegórica, ao mapear a tragédia do grande poeta universal. Da poesia de Luciano Maia, esse grande poeta latino-americano emerge não apenas como um bardo de fala insubmissa, senão como sendero luminoso, direcionado para os caminhos da resistência e da libertação, agigantando-se assim o autor de Sol de Espavento no contexto da literatura brasileira atual.