sexta-feira, 29 de março de 2013

{Guadalupe}

                 Batista de Lima



                                                                                                    Capa de {Guadalupe},
                                                                                               meu último livro de poemas.
 
             Nossa Senhora de Guadalupe é padroeira do México. Por conta da devoção daquele povo, há um costume de se colocar nas mulheres o nome da padroeira. Há grande quantidade de Guadalupe, Lupe e Lupita por lá. Tudo começou quando um índio recebeu a visita da santa e a partir daí a fé cresceu em demasia naquelas terras. Quem por lá transita se impressiona com o fenômeno religioso em torno da Senhora de Guadalupe, e muitas vezes também se torna devoto dessa Nossa Senhora. Foi o que aconteceu com Dimas Macedo, a ponto de colocar como título de sua mais recente obra, {Guadalupe}. São 60 páginas de poemas das Edições Poetaria, editados em 2012.

           À primeira vista pressupõe-se que o poeta vai direcionar seus poemas para a religiosidade que o título inspira. Mas o foco dessa sua coletânea é a mulher amada. Daí que há uma sensualidade que permeia cada poema do livro. Mesmo dividindo a obra em três movimentos: "Alfabeto", "Suíte" e "Poemas e Canções", Dimas sensualiza todos eles a partir do oferecimento do conjunto: "Para Lúcia, com todo o meu amor". Na primeira parte, ele vai de Amsterdam ao Tejo, de Atlanta a Montevidéu, de Brasília a Bruxelas, sem esquecer muitos outros lugares como Colônia e Bogotá. As cidades transfiguram-se no corpo feminino de tal forma que as ruas são as curvas da amada, e o burburinho da urbe vira o ciciar da companheira. As cidades são femininas e transpiram sensualidades que incorporam na amada. O leitor conclui que cada viagem foi uma lua de mel repetida.

            Logo no primeiro poema, o poeta já instaura a sensualidade ao dizer "Flores de tua língua / na Amsterdam dos meus olhos." Quanto aos "beijos úmidos a cavoucar neblinas", do poema "Atlanta", há uma continuidade desse sensualismo. Esses beijos úmidos brotam também no Chile de Neruda. "Chile dos meus amores / e dos meus beijos úmidos, / e dos meus afetos / quase lilases." Há, como se vê, uma escalada do corpo da amada, ao transitar ruas e pontos característicos das cidades. Também essa transfiguração acontece no contato com os signos da sensualidade. "Quando te vejo nua / eu me revelo. (…) E vejo o sol nascer / no teu umbigo."

          A manifestação do Eros através do eu lírico do poeta também remete, após sua culminância, aos desígnios do Tânatos. Parece que após o paroxismo resultante da relação com a amada o deus da morte mostra sua presença, em um alerta da sua presença inexorável na vida. "Eu tenho a morte cravada nos dentes". Essa revelação comprova a consciência do efêmero que o poeta transporta. É tanto que seu poema "Finitude" é um canto de comprovação dessa consciência. "No princípio da arte / está a morte / e sobre o abismo da morte / está a graça". Para ele há um lado purificador do ser que só é conseguido com a morte. É como se o espírito se purificasse ao desencastelar-se das impurezas do corpo.

           Após essa luta entre criação (Eros) e destruição (Tânatos) o poeta Dimas aborda o poema como salvação, como catarse. As dores são sublimadas nas asas da poesia. O voo pela subjetividade poética salva o poeta. Esse voo tem como uma das suas estações, o corpo do poema e seu potencial de cura. "Da nave do sonho / o mito do poema / lúcido se anuncia". O poema é o teto onde o texto se anuncia. O poeta se revela pela voz que da poesia emana. Essa voz, essa fala, vem da estrutura profunda do verso. "Do ventre do poema / explode a solidão. / Do rosto do poema / sangra a utopia / que apunhala / o coração trôpego do mundo".

           A partir desses caminhos percorridos pelos poemas dessa coletânea, o leitor que conhece outras obras do autor, procura encontrar vertentes que são tradicionalmente presentes nas suas obras. Uma delas é o telurismo, o amor que o poeta tem por sua terra natal, Lavras da Mangabeira. Cantada em prosa e verso, é difícil encontrar um livro de Dimas em que sua cidade não se mostre. Nesse seu novo livro ele assim se refere a sua cidade: "Lavras, minha amada terra, / como é bela a imensidão / que campeia em tua serra / do lendário Boqueirão". Nessa estrofe do poema "Cidade", ele retorna a seu paraíso perdido e não só nomeia a cidade como se refere ao seu ponto turístico mais importante que é o famoso Boqueirão.

           Esse retorno do poeta às suas origens termina por esbarrar em um personagem histórico conterrâneo que terminou por virar um dos símbolos entre as vítimas do regime de exceção ditado pelo AI-5. Assim sendo é preciso saudá-lo antes de ir em frente. "Dos sertões de Lavras / ao cosmopolitismo / dos espaços parisienses / o corpo do Frei Tito / trescala uma proposta / de fraternidade e de amor". Apesar de seu humanismo, esse frade foi vítima das torturas que o levaram à morte. Mesmo assim "Vive a altivez do Frei Tito / como uma vigília a pairar / por sobre a solidão dos ditadores". O título do poema é "Oblação", e apresenta-se como o mais longo do livro, com outras passagens como: "O povo continua sonhando / com o pão da verdade que lhe falta à mesa."

           Em {Guadalupe}, Dimas Macedo transcreve trechos de críticos que o acompanham na sua trajetória poética e que merecem ser citados. Dias da Silva cita seu lado "existencial, em observação contínua dos sentimentos e dores mais profundas do ser humano". Francisco Carvalho chama a atenção da presença do "erótico ao lado do social, do memorialístico, do metafísico e até mesmo das banalidades do cotidiano". Alcides Pinto pontua seu poder de síntese, enquanto Rodrigo Marques vê o equilíbrio que se estabelece entre o lirismo e o apelo social que Dimas imprime na sua poética.

              Ao final da leitura dessa mais recente produção poética de Dimas Macedo, verifica-se que os recursos estilísticos das suas obras anteriores se fazem presentes nesses novos poemas. Há lirismo, telurismo, saudosismo e até mesmo momentos existencialistas quando o assunto é a morte. O diferencial, entretanto, com relação a obras anteriores fica por conta do sensualismo. Desta feita o poeta veio mais apaixonado do que antes. Há uma sensualidade descambando para o erótico que demonstra ser o poeta um apaixonado que não teme em revelar sua paixão. Se Dimas Macedo continuar nas suas próximas obras a investir nessa vertente poética é possível que ele chegue a sua culminância literária. Só uma coisa a mais é necessária, que essa paixão que o arrebata no momento continue na sua escala ascendente.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Dimas Macedo - Gigante da Literatura

                        
                Vicente Paulo Lemos
                                                   
                                                        
                                                                                 Aquarela de Rosa Firmo

 
                                                                        Tela de Rosa Firmo
 
           Esse filho de Lavras da Mangabeira, nascido e criado às margens do rio Salgado e saudado em primeira mão pelo imponente monumento natural – O Boqueirão – é, acima de tudo, um Gigante da Literatura, pois consegue trabalhar a escrita e o pensamento com a habilidade dos grandes escritores e poetas que nos antecederam, tais como: Castro Alves, José de Alencar e tantos outros. Eu não poderia deixar de dedicar a esse amante das Letras e da Poesia um merecido espaço em minha coletânea de poemas – Cantos e Encantos na Poesia Popular (Fortaleza, Editora RDS, 2012).

                    O Brasil já o admira
                    E o mundo já reconhece
                    Como um gigante das letras
                    Que nosso aplauso merece
                    Do grande Dimas Macedo
                    Eu posso dizer sem medo
                    Que nossa Terra enaltece

                   Ele dá prova cabal
                   De um exímio escritor
                   E o faz com dedicação
                   Sangue, suor e ardor
                   Divinizando a escrita
                   Por ela bem alto grita
                   Sua expressão de amor

                  Amor pela nossa Terra
                  Amor pela nossa gente
                  Amor pela poesia
                  Prosa, cordel ou repente
                  Amor pela natureza
                  Ao provar com singeleza
                  O amor por cada vivente

                 Um super-homem na prática
                 De variadas funções
                 Em seu posto de trabalho
                 Ou em constantes ações
                 No universo literário
                 Até como voluntário
                 Em grupos e Associações

               Tem pela vida paixão
               Ousado como ninguém
               Seu limite é o pensamento
               Sobre ele se mantém
               Vencendo cada empecilho
               Dimas alcançou com brilho
               Tudo que fez ou que tem.


               Altruísta e despojado
               Supervaloriza o ser
               Imbuído de humildade
               Prefere fazer crescer
               O semelhante ao seu lado
               Em seus escritos tem dado
               Provas deste parecer

              Em A Brisa do Salgado
              Se autoprefaciando
              Ele expressa com clareza
              Sua opção política quando
              Em favor da dignidade
              E contra a impunidade
              Diz na vida vir lutando

             Seja em sala de aula
             Tribunal ou Academia
             Nas mesas de Conferências
             Ou na Advocacia
             Dimas vive a Oratória
             Assim é sua trajetória
             Trilha de grande valia

            Pelo amor que tem às letras
            Vários livros escreveu
            Já conta com mais de trinta
            São filhos que concebeu
            Gerados em sua memória
            Transformados em história
            Que ao mundo ofereceu

             Meu poema é um convite
             Feito em versos e rimas
             No sentido da leitura
             Das Obras do grande Dimas
             Melodias literárias
             Com brilho de essências áureas
             Verdadeiras obras primas.



                       


















































sábado, 23 de março de 2013

Lobo Manso: Poeta Popular

           Dimas Macedo

                                                
                                                                                   Lobo Manso (1888-1960)

 

1. Perfil de Lobo Manso

           Na casa onde passei a infância, em Lavras da Mangabeira (CE), situada no número 16 da Rua da Praia, o livro didático era uma espécie de breviário e praticamente a única fonte de consulta existente. Afora as antologias escolares, cujos textos tínhamos que assimilar, de uma ou de outra maneira, restavam tão somente as Escrituras Sagradas e os folhetos de cordel, que no meu caso foram decisivos para o cultivo da imaginação e a busca sempre inquietante do desconhecido.   

           Meu avô paterno, o poeta Antônio Lobo de Macedo, também conhecido como Lobo Manso, marcou a minha infância em duas dimensões: em primeiro lugar, com o seu falecimento, aos 20 de abril de 1960, passei a tomar contato com a morte, qual o acontecimento mais antigo que trago na memória; em segundo, era ele próprio o autor de alguns desses cordéis a que me refiro.   

          Sei que tivemos relações de afeto, próprias do ambiente familiar, e especialmente, aquelas que se tecem entre os poetas e suas imaginações. O seu cortejo fúnebre me ficou guardado na lembrança, como uma das minhas recordações. Meu pai, que igualmente tornar-se-ia poeta popular, falava com orgulho da tradição de Lobo Manso e do valor de sua poesia, mas é ao meu tio Joaryvar Macedo que devo as melhores informações acerca de sua trajetória.    

          Dois pequenos livros foram publicados por Joaryvar sobre o meu avô. O Poeta Lobo Manso, o primeiro deles, veio a lume em 1975, numa clara alusão ao pseudônimo que o imortalizou; o segundo, Antônio Lobo de Macedo: o Homem e o Poeta, foi editado em 1988, por ocasião do seu centenário, trazendo o opúsculo sobre o seu perfil de cordelista e poeta, um resgate comentado de sua poesia, e contendo volume segundo referido, um roteiro biográfico do poeta e da sua descendência.   

         Os fragmentos que juntei acerca desse personagem sempre me pareceram próximos do esquecimento. Mas o esquecimento, no meu caso, não venceu a memória, e eis que este opúsculo agora se perfaz diante da minha consciência de historiador e de biógrafo.    

         Antes de poeta – e a partir justamente de suas poesias –, cumpre registrar que Antônio Lobo de Macedo foi um militante político, que participou das questões sociais do seu tempo, fazendo, no seu Município, as mais diversas intervenções, por meio do carisma de que era dotado, resolvendo as suas demandas como pregoeiro da conciliação.        

           Antônio Lobo de Macedo, ou Lobo Manso, assim como a maioria de sua parentela, nasceu no Sítio Calabaço, em Lavras da Mangabeira (CE), aos 29 de julho de 1888. Foram seus pais, o capitão Joaquim Lobo de Macedo e Maria Joaquina da Cruz, sendo ele, o primogênito dessa família de sertanejos do Vale do Salgado.   

           O pai de Lobo Manso integrou a Guarda Nacional do município, e a sua tia, Antônia Senhorinha de Macedo, conhecida pela alcunha de Tôtô ou Velha Tôtô, também se projetou na cidade de Lavras em face do seu destemor e da sua valentia. O poeta estudou com professoras públicas de sua terra natal e que aspirou, quando jovem, à carreira das armas, mas o destino o fez agricultor e poeta, levando-o, depois, a tomar partido nas disputas políticas da sua região.


 2. Lobo Manso e Sua Poesia


          Não se sabe quando Lobo Manso começou a poetar, pois os seus poemas, guardados, inicialmente, na memória, perderam-se quase todos na poeira do tempo, com algumas exceções, como mostram as pesquisas de Joaryvar Macedo e aquilo que recolhi acerca do seu cancioneiro. 

         O poeta, no entanto, versejou durante toda a existência, escreveu diversos folhetos de cordel, e a sua produção literária adquiriu, com o tempo, impressionante relevância, sendo conhecido, hoje, como um dos produtores de cultura de maior destaque do seu Município.

          A ressonância da sua linguagem poética e as temáticas que abordou em sua obra literária fizeram de Antônio Lobo de Macedo um nome bastante conhecido, sendo ele pai do historiador Joaryvar Macedo e do poeta José Zito de Macedo (Zito Lobo), de quem sou filho, com o máximo orgulho.

        Especialmente como poeta, Lobo Manso destacou-se em sua terra quando da Revolução de 30, ali desbancando os seus adversários e “utilizando o verso como quem usa o rifle ou o fuzil”, segundo o escritor Alberto Galeno.

         Lobo Manso escreveu diversos poemas populares, de cunho social e político e de acento lírico e amoroso, entre eles, A Seca de Quinze, A Revolta de Sousa (1930), Injeção de Cuspe (1936) e Poesias Contra os Profetas e Experiências da Chuva (1960). O primeiro desses escritos foi composto quando ele tinha 27 anos, aí expondo-se os horrores de uma das piores estiagens do Ceará.

         Se o cenário social lhe chamou a atenção em 1915, a década de 1930 lhe arrebatou o sentimento político e a sua efusão religiosa, como mostram as suas décimas sobre Frei Damião, denunciando, também, a manipulação do fanatismo pelos apaniguados do poder.

          Na década de 1940, o poeta enveredou pelo campo do fantástico e do maravilhoso. Dessa fase, são as estrofes de O Garrote Misterioso, poema no qual os elementos e a camada ótica utilizados remetem à forma poética dos romances de alusão e alegoria, conforme a interpretação de Florival Seraine, na Antologia do Folclore Cearense (Fortaleza: Edições UFC, 1983).

         Trata-se, caso desse poema, de um folheto de cordel em que “a imaginação vagueia pelo mundo do fantástico, do colossal, do encantamento, do mistério, da assombração, do monstro ou animal que fala”, admirando-se Florival Seraine por quantos mares navegam os poetas populares.

         Em 1960, Lobo Manso publicou o seu cordel mais conhecido, Poesias Contra os Profetas e Experiências da Chuva, pela Typografia de José Bernardo da Silv[DM1] a, de Juazeiro do Norte, o qual teve mais duas edições: uma em Salvador, em 1981, pela Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel; e a outra em  Quixadá, em 2021, com o selo da Aluá Edições.

         Não foi Lobo Manso apenas um poeta popular, como muitos imaginam, mas um poeta de larga claridade, portador de um estilo melódico que se distende por suas criações e assonâncias, e pelo uso de quase todas as formas do cancioneiro.

         Poeta substancial e telúrico, na décima e no repente, no improviso e na sextilha, demonstrou Lobo Manso as luzes de uma mente inquieta e criativa que sabia medir a História e a Política, a Sociologia e as crendices da nossa cultura popular, sendo um sertanejo, portanto, identificado com o sertão e com a tradição dos seus ancestrais.

   Luís da Câmara Cascudo, expressão máxima do folclore brasileiro, escreveu sobre ele o seguinte: “com muita simpatia, fiz amizade com o sertanejo Lobo Manso, que além de manso, engolira toda uma revoada de curiós e canários pela legitimidade da inspiração e, sobretudo, o vocabulário autêntico, Sertão de Pedra e Sol onde me criei, trazendo a naturalidade espirituosa da observação, comunicada num encanto de espontaneidade estonteante”.  

   Além dos estudos que lhe foram dedicados pelo filho escritor, Joaryvar Macedo, O Poeta Lobo Manso (1975) e Antônio Lobo de Macedo: O Homem e o Poeta (1988), podem ser consultados sobre ele os livros: Sol e Chuva – Ritos e Tradições (Brasília: Thesaurus, 1980), de Altimar Pimentel; Lavras da Mangabeira – Um Marco Histórico (Fortaleza: Tiprogresso, 2004), de Rejane Augusto; Profetas da Chuva (Fortaleza: Tempo e Imagem, 2006), de Karla Patrícia Holanda; Anjo ou Demônio – 33 Homenagens (Teresina: Ed. do Autor, 2008), de Homero Castelo Branco; Histórias dos Sítios Baixio e Calabaço (Lavras da Mangabeira, 2010), de Jomata Júnior; Academia Lavrense de Letras (Fortaleza: RDS, 2012), de Dias da Silva; e Venda Grande d’Aurora (Fortaleza: Expressão Gráfica, 2012), de João Tavares Calixto Júnior.   

   No Dicionário de Termos e Expressões Populares (Fortaleza: Edições UFC, 1982), de Tomé Cabral Santos; na Antologia do Folclore Cearense (Fortaleza: Edições UFC, 1983), de Florival Seraine; e na pesquisa de Abelardo F. Montenegro, O Ceará e o Profeta da Chuva (Fortaleza: BNB/UFC, 2008), o seu nome reluz pela expressividade da sua produção, destacando Alberto Galeno, no livro Seca e Inverno nas “Experiências” dos Matutos Cearenses (Fortaleza: Coopcultura, 1998), que Lobo Manso “fez da poesia arma de combate contra seus adversários políticos”, que ele detinha um “cabedal de conhecimento em torno da cultura popular”, e que era “conhecedor profundo das experiências sertanejas”.

         Os poetas Zito Lobo, no livro Trovas e Poemas (1990), e Rodrigo Marques, no volume A Poesia do Salgado (2021) publicaram, respectivamente, um poema e um cordel acerca de Antônio Lobo, aí espelhando-se um perfil do poeta e a louvação da sua memória.

          O jornalista TT Catalão, chamando-o de “repentista de cepa”, destaca a sua “verve inflamada e ferina da maior qualidade”; assegurando-nos Abdias Lima que esse conhecido poeta cearense “deixou poesias sertanejas que, indiscutivelmente, enriquecem o folclore do Nordeste”.

           Para Reinaldo Carleial, “a leitura atenta dos seus versos convence-nos da imortal presença de um poeta popular, telúrico”. E acrescenta Carleial: “o remanescente da sua produção, pela variedade do metro e dos temas, é bastante para configurar um paradigma do folclore caririense”.

          “Cáustico na sua iconoclastia”, Lobo Manso teria escrito, segundo Gilmar de Carvalho, o mais curioso folheto de cordel sobre a temática das profecias da chuva, especialmente, porque colocou o seu enfoque no “campo da predestinação, negando ao homem a capacidade, não de contrariar o criador, mas de se integrar à natureza, dialogar com os sinais e nos dar uma leitura mais rica da realidade na qual está inserido”.

           Na opinião de Altimar Pimentel, expressa no volume já referido, “os versos de Lobo Manso revelam-se de grande interesse”, porque são “produtos da lógica e de uma mente valente e corajosa”, tendo ele enfrentado “a cadeia de velhas superstições universais sobre o prenúncio das águas pluviais”, segundo Sílvio Júlio de Albuquerque Lima.

          Fernanda Mara Oliveira de Macedo Carneiro Pacobahyba, bisneta de Antônio Lobo, presta a esse grande poeta uma de suas homenagens, na abertura de sua tese de doutoramento, chamando-o de poeta sábio e sensível, que não deixa calar a sua ancestralidade.

          Cabe destacar, também, o artigo de Batista de Lima, em defesa da poesia de Antônio Lobo, publicada no Diário do Nordeste (Fortaleza, 15.02.2011), que merece ser lido pelos seus descendentes.

          Abelardo F. Montenegro chama-nos a atenção para a sua coragem de desbancar velhas tradições, e argumenta que “entre os folcloristas, há os que se preocupam, apenas, com o biotipo, a constituição temperamental do profeta da chuva; e há, também, os poetas do porte de Lobo Manso, que procuram ridicularizá-los”.

          O certo é que a sua poesia se fez reconhecida em todo o Cariri, como quer Homero Castelo Branco no seu livro Anjo ou Demônio – 33 Homenagens (Teresina, 2008), registrando-se, aqui, que Antônio Lobo, no seio de sua família, foi a maior representação do seu tempo, preservando, assim, a tradição dos seus ancestrais em todo o Município de Lavras.

          Sócio Honorário (post-mortem) da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel, sediada em Salvador (BA), Lobo Manso figura como personagem do romance Os Búfalos de Campanário (Fortaleza: Livro Técnico, 2003), de Audifax Rios, que destacou a sua obra de poeta no âmbito de um trabalho premiado pela FUNARTE.

  

                                       
                                                                                         Com a 1ª mulher (Maria de Aquino
                                                                           Macedo) e os filhos do seu primeiro casamento:                                                                                            Wilson, Alaíde, Alcides, Zaíra e Zito.

 
                                                                         
                                                                                         2ª mulher de Lobo Manso
                                                                                          Maria Torquato Gonçalves de Macedo,
                                                                                          cujo centenário é comemorado em 2013.

                                                                                              Filhas do 2º casamento de Lobo Manso.

                                            

                                     Joary Lobo: político de expressão
                                em Lavras da Mangabeira
                                               e amante da poesia popular
                                      Padrinho do autor deste Blog.

                                                                                           Escritor Joaryvar Macedo, 
                                                                                           filho de Lobo Manso
                                                    
                                                                                     Pais de Lobo Manso e bisavós do autor
                                                                                      deste blog: Cel. Joaquim Lobo de Macedo
                                                                                      e Maria Joaquina da Cruz.
                                          
 
                                                                 
                                                                                Notícia da Morte da mãe de Lobo Manso
                                                                         na 1ª página do jornal O Povo, de Fortaleza.
                                                                                   em 11.07.1942. 



Lobo Manso
Batista de Lima

              Antônio Lobo de Macêdo é o verdadeiro nome do poeta Lobo Manso. Nascido em Lavras da Mangabeira, em 29 de julho de 1888, veio a falecer na mesma cidade, em 20 de abril de 1960. 

            Poeta popular de reconhecido valor literário, Lobo Manso teve um filho e um neto na Academia Cearense de Letras, no caso, Joaryvar Macedo e Dimas Macedo, respectivamente. Isso sem contar outras descendentes que também cultivavam a poesia como é o caso de Zito Lobo, seu filho. É, pois, sua família, um esteio de poetas.

               Em 1988, por ocasião do centenário de seu nascimento, seus descendentes organizaram homenagens de cunho religioso e político, como missa na capela do sítio Calabaço, onde ele nascera, e na Câmara Municipal de Lavras onde ele tivera assento como vereador. 

               Naquela ocasião, também a título de homenagem, seu filho escritor, Joaryvar Macedo, organizou um livro, com sua produção literária, com o título de – Antônio Lobo de Macedo: O Homem e o Poeta. Mais recentemente, 2010, por ocasião do cinquentenário de sua morte, seu neto, o escritor Dimas Macedo, reeditou o livro com alguns acréscimos.

                Além destes textos iniciais, aparecem, logo em seguida, os poemas do homenageado, e, ao final, a árvore genealógica para mostrar todos os descendentes do poeta. É nesse momento que se descortina uma família com muitos de seus membros destacados nas mais diferentes atividades humanas.

               A ênfase, no entanto, recai sobre a produção poética de Lobo Manso, o patriarca. Sua poesia, de feição popular, se estrutura em redondilha maior, seguindo um esquema de rimas tradicionalmente usado pelos poetas do povo. Até aí, não há muita novidade. 

               O que chama mais a atenção do leitor é o inusitado dos seus temas. A sua visão de mundo mostra um poeta cético diante dos exageros visionários da maioria dos sertanejos que acreditam primeiramente em milagres e premonições, antes de encarar a realidade que lhes cerca. Muitos estão com os olhos em subjetividades e esquecem a razão.

               Esse compromisso com o real o levou a confeccionar seu antológico poema de negação às experiências muitas vezes malogradas dos profetas da chuva. O poema foi publicado em folheto de cordel e teve grande repercussão por desmontar as crendices oriundas daqueles que vivem a fazer previsões de inverno. Logo de início ele afirma que "profeta como se diz / escreve sem garantia".

             Para citar algumas das experiências ele utiliza uma de suas décimas e desanca os visionários. "Nem torreame no norte / Nem relampo no nascente / Nem a barra do poente / Tudo isso não dá sorte / Nem parado o vento forte / Nem mancha do sul fugida / Nem lua nova pendida / Nada disso faz chover / Depois de Deus não querer / Toda ciência é perdida".

                Ainda nesse poema, Lobo Manso utiliza outra décima para, na mesma batida popular, fazer um alerta para quem deseja fazer versos. É um momento em que a poesia fala de si própria, fazendo com que o leitor se veja diante de um texto metapoético.

                Daí que ele assevera: "Precisa muita instrução / Um homem pra ser poeta / Fazer a obra completa / Polida com perfeição / Com toda a pontuação / Fazer a rima direita / A poesia bem feita / Precisa estar no toante / Faltando o consoante / Torna-se a obra mal feita". Como se vê, o polimento, ele defende, como para nos dizer que a poesia não é apenas produto de inspiração.

                Lobo Manso, no entanto, não foi apenas poeta. Afinal, militou a vida toda na política municipal de Lavras, chegando a vereador da cidade e guardando fidelidade ao seu partido político, no caso, a UDN, que no Ceará tinha como principais dirigentes, os representantes da família Távora. Seus ídolos, na política, eram: Juarez Távora, Fernandes Távora e Vírgílio. Tavorista ferrenho, sempre fez oposição à família Augusto, de Lavras, que dominou a cidade por quase cem anos e militava no PSD.

                Ainda na política, não restringiu seu olhar ao cenário lavrense. Quando surgiu a Revolução de 30, ele cantou loas à derrocada dos coronéis sertanejos. Não ficou apenas a cantar o enfraquecimento de Raimundo Augusto, coronel local, mas voltou-se na sua desforra verbal contra o coronel Zé Pereira, o famoso mandatário de Princesa. 

              "Zé Pereira já foi trunfo / Em todo aquele sertão / Foi protetor de bandido / Da mais alta posição / Foi sócio de Suassuna / No tempo de Lampião". Essa oposição lavrense, leia-se UDN, dificilmente chegava ao poder, mas era resistente e comandada por: José Linhares, Alexandre Benício, Lobo Manso e João Ludgero Sobreira.

               Mesmo cético com relação a crendices e fanatismos, não deixou de cantar, talvez inspirado em "O pavão misterioso", a propósito de um garrote que falou no estado da Bahia. Na realidade, é um poema de desabafo contra a 2ª guerra mundial liderada pela Alemanha, mas também uma previsão do fim do mundo para 1999. Daí uma das estrofes: "Vê-se gente despedaçada / De uma e outra nação / Um sem perna outro sem braço / Rolados pelo canhão / Uns doidos outros sem fala / Todos varados de bala / Rolando frios no chão".

                  Como se vê, Lobo Manso estava antenado com o que acontecia na Europa, Bahia e Lavras da Mangabeira. Agricultor, pouco letrado, deixou seus versos e sua honradez para os pósteros, como prova de seu tirocínio voltado para o futuro. Daí os valores intelectuais e morais de seus descendentes: 20 filhos, 82 netos, 141 bisnetos e 97 trinetos.

                                                                                            Diário do Nordeste: 15/02/2011